29/02/2016

Rombo na Previdência pode passar de R$ 260 bi

Os sistemas de previdência público e privado estão à beira do colapso

O Brasil sempre se vangloriou de ter uma população jovem, capaz de produzir riqueza por um longo período. O problema é que, antes de envelhecer, o país está se defrontando com um desafio gigante: os sistemas de previdência público e privado estão à beira do colapso. Juntos, encerraram 2015 com rombo de R$ 215,9 bilhões, o equivalente a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

"Trata-se de um quadro insustentável", diz Marcelo Caetano, especialista em Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para 2016, a previsão é de que o buraco passe de R$ 260 bilhões. Somente o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que contabilizou deficit e R$ 89,2 bilhões no ano passado, deverá apresentar um buraco de R$ 131 bilhões - um salto de R$ 42 bilhões.

É a velocidade do aumento do rombo o que mais assusta os especialistas. Segundo o professor José Pastore, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), se nada for feito nos próximos anos para conter a sangria de recursos, os beneficiários dos sistemas correrão o risco de ficar sem receber o que têm direito. "Não é preciso ir muito longe. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, aposentados e pensionistas já estão com os benefícios atrasados", diz.

No entender dele, felizmente, ainda que tardiamente, o governo decidiu propor a reforma da Previdência, com a fixação de idade mínima para se deixar o mercado de trabalho e a unificação dos regimes. Poucos, porém, acreditam na capacidade da presidente Dilma Rousseff de levar as mudanças adiante, devido à resistência do partido dela, o PT, e das centrais sindicais.

Para qualquer lado que se olhe, os números são alarmantes. Pelos cálculos do Tesouro Nacional, apenas entre 2014 e 2014, o rombo do Regime Geral, representado pelo INSS, saltou 38,4%, de R$ 64,4 bilhões para R$ 89,2 bilhões. No caso do sistema público, que reúne União, estados, Distrito Federal e municípios, o buraco no caixa foi de R$ 92,4 bilhões, conforme levantamento do secretário especial da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas. Quando incluídos os militares nas contas, a fatura sobe para R$ 126,7 bilhões.

Na opinião de especialistas, não há economia que aguente um sistema tão deficitário por tanto tempo, a não ser que a população se disponha a pagar cada vez mais impostos para cobrir o rombo. O governo, como sempre, prefere o caminho mais fácil, e está propondo a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Recessão

Marcelo Caetano, do Ipea, é enfático: "Os gastos da Previdência vão crescer, naturalmente, por causa do envelhecimento da população, mas só isso não explica os saltos que se está vendo". Na visão dele, o quadro atual se agravou, no caso do INSS, por causa da destruição do emprego formal, devido à profunda recessão na qual o país mergulhou. Ele ressalta que, mantido o ritmo de fechamento de vagas com carteira assinada - o país registra 9,1 milhões de desempregados, número que pode chegar a 16 milhões até o fim de dezembro -, o rombo de R$ 131 bilhões esperado para o Regime Geral neste ano poderá ser ainda maior.

"Infelizmente, não há como prever, exatamente, o que vai acontecer. Enquanto o emprego estava forte, o país conseguia conter o ritmo de expansão do deficit do INSS. Agora, estamos vendo o outro lado da moeda", afirma o técnico do Ipea. Para ele, o momento exige que a sociedade defina o tipo de Previdência que quer ter. "Para sustentar o atual sistema, o dinheiro tem de sair de algum lugar. Como a arrecadação atual já não é suficiente para cobrir todas as despesas, será preciso reforçar o caixa de algum modo, ou aumentando a carga tributária, ou cortando gastos", frisa. "Se não houver redução de benefícios, impostos como a CPMF terão que se tornar permanentes", acrescenta.

No caso do regime público de Previdência, os casos mais problemáticos estão nos estados. Além de não haver propostas para conter os deficits, os sistemas são marcados pela má gestão e a corrupção. Os municípios, no conjunto, ainda registram superavit de R$ 6,7 bilhões, mas a deterioração dos resultados é visível. Já a União terá rombos crescentes com aposentados e pensionistas, porém, a criação de um fundo de previdência para os funcionários contratados a partir de 2013 deu uma sinalização de que, nas próximas duas décadas, a casa começará a ser arrumada.

Desigualdade

O economista britânico Brian Nicholson, autor do livro A Previdência injusta: como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil, diz que o principal problema do atual sistema é que ele subsidia as aposentadorias dos mais ricos. Por isso, propõe que se faça uma reforma ampla, não visando apenas a questão fiscal, que é importante, mas, principalmente, buscando diminuir a desigualdade na distribuição atual dos benefícios. Ele aponta que, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), só tem acesso à aposentadoria por tempo de contribuição os trabalhadores que tiveram melhores condições de estudo e, portanto, salários maiores. O tempo de contribuição permite que as pessoas se aposentem relativamente jovens, em média aos 55 anos, quando, na maioria dos países, a idade mínima é de 65 anos.

Lobbies se intensificam

A pressão sobre o governo contra a proposta de reforma da Previdência, que, segundo a presidente Dilma Rousseff, será encaminhada ao Congresso até abril com ou sem consenso, vai aumentar. O PT já destacou um grupo de parlamentares para tentar convencer a chefe do Executivo de que o momento não é o mais adequado para se falar em mudanças de benefícios, já que o país está em recessão e o desemprego, em disparada. Os petistas, por sinal, estão se articulando com as centrais sindicais para amplificarem o "não" contra a reforma.

Para o economista britânico Brian Nicholson, a reação do PT e das centrais não surpreende, pois a reforma da Previdência é um assunto que desperta paixões no mundo todo e ninguém quer abrir mão de nada. Ele destaca que, no Brasil, os lobbies são poderosos e beneficiam, sobretudo, as classes que têm mais acesso ao Congresso. "O Executivo não faz lei, apenas propõe", ressalta. A tendência é de deputados e senadores darem mais atenção ao que dizem os eleitores, que, na maioria, são contra a reforma, mesmo sabendo de todos os riscos que correm se os sistemas quebrarem.

Nicholson prega que, caso a reforma ande, que prevaleça a igualdade de direitos. "Tem que acabar com todos os privilégios", afirma. A idade mínima deve valer para todos. Não pode haver diferenciação entre os trabalhadores da iniciativa privada e os do setor público. Nem entre os que vivem em áreas urbanas e os que moram no campo. Isso vale, inclusive, para as contribuições. Atualmente, a previdência rural responde por todo o rombo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que, neste ano, pode passar de R$ 131 bilhões.

Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), Alberto Broch diz que não aceitará nenhuma proposta que retire direitos. "Vamos fazer o que for necessário para proteger direitos", avisa. O governo já entendeu o recado e, para reverter o discurso contrário, fará uma ampla campanha de marketing a fim de mostrar que nada do que se está propondo valerá para aqueles que já estão no mercado de trabalho. Haverá um período de transição. A ideia é que a idade mínima passe a valer somente a partir de 2027.

Na opinião de Renato Follador, consultor na área previdenciária, junto da definição da idade mínima e da unificação dos regimes público e privado, o governo deve rever as renúncias fiscais. Somente em 2016, pelos cálculos do secretário especial de Previdência Social, Carlos Gabas, o país abrirá mão de R$ 55,1 bilhões em receitas para atender uma série de lobbies. Em 2015, deixaram de entrar nos cofres da União R$ 65,5 bilhões. 

(CELIA PERRONE - Correio Braziliense)

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