15/01/2016

Previdência para poucos

O sistema previdenciário oficial tornou-se o principal problema das contas públicas do país

A advogada Marieta Langeani, 26 anos, tomou uma importante decisão há dois anos. Passou a contribuir para o fundo de previdência complementar patrocinado pela entidade representativa da profissão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Não dá para contar com a sorte. O melhor é economizar desde agora", diz. A decisão de buscar uma alternativa para não depender apenas de um benefício do Instituto Social do Seguro Social (INSS) levou em conta experiências de familiares que tiveram uma queda nos rendimentos quando decidiram parar de trabalhar.

O temor de Marieta de não ter uma aposentadoria compatível com as necessidades da velhice foi reforçado diante das sucessivas notícias de que o buraco nas contas da Previdência Social aumentará nos próximos. "A gente fica lendo sobre rombo do INSS e nos assustamos. A minha mãe é muito preocupada com meu futuro. Ela acabou de se aposentar e ficou chocada: sofreu um baque imenso na renda. Não quer o mesmo para mim e me incentivou a aderir a um fundo de pensão", conta a jovem.

Marieta faz parte de uma geração que começa a perceber que não poderá contar, na velhice, com o mesmo amparo que, porventura, os avós tiveram da Previdência Social, mesmo se trabalhar por anos a fio e contribuir regularmente para garantir um benefício. Com sucessivos déficits, o sistema previdenciário oficial tornou-se o principal problema das contas públicas do país, por ser o mais benevolente do mundo.

Especialistas sentenciam que a reforma, por tanto tempo adiada, se tornou premente. Se for adiada, o país não terá recursos para custear as aposentadorias dos milhões de brasileiros que passarão para a inatividade nas próximas décadas. A mesma avaliação é feita em relação às reformas trabalhistas e tributária. Mas, no entender de Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, as mudanças terão de ser feitas de forma gradual, com regras de transição suave, de forma a ser justa com as empresas e as famílias que se estruturaram em torno de um modelo que está em vigência há muitos anos.

Privilégios

Suave ou não, cedo ou tarde, a reforma da Previdência sairá, em decorrência do aumento dos gastos com aposentadorias e pensões. A promessa da presidente Dilma Rousseff é encaminhar ao Congresso Nacional, ainda no primeiro semestre de 2016, um projeto que, entre outras mudanças, estabelecerá uma idade mínima para o requerimento dos benefícios, que deve ser de 65 anos, ou fixar uma regra de pontos progressiva, como a norma 85/95, vigente atualmente. A decisão é importante, mas vem com anos de atraso.

Para Renato Follador, especialista em previdência, nas condições que estão a economia, com queda de dois anos seguidos do Produto Interno Bruto (PIB), e as contas públicas, o Brasil só tem uma chance: aprovar as reformas estruturais que daqui a 20 anos serão lembradas. Muitos poderão reclamar, pois querem manter privilégios, mas terão de reconhecer que o sistema frágil de hoje ganhará longa sobrevida. "Todos devem se empenhar para tornar possíveis as medidas tão necessárias para o crescimento do país. A reforma da Previdência é uma das mais urgentes", afirma.

Quando o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2016 foi encaminhado ao Congresso, no ano passado, o deficit estimado para o INSS era de R$ 81 bilhões e correspondia a 1,28% do PIB. Esse valor foi revisado para R$ 124,9 bilhões, ou 1,7% da geração de riquezas no país. O aumento no rombo ocorre em meio à alta do desemprego e à redução nas contribuições de empresas e trabalhadores ao INSS. O buraco crescerá progressivamente nas próximas décadas. Em 2040, deve chegar a R$ 1 trilhão e, em 2060, a R$ 7,2 trilhões, o equivalente a 9,24% do PIB.

Envelhecimento

A Previdência Social terá que enfrentar ainda o processo de envelhecimento da população. A longevidade no país tem aumentado rapidamente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que a expectativa de vida do brasileiro está hoje em 75,2 anos. Quando o sistema previdenciário começou a ser desenhado, na década de 1950, não passava de 48 anos. Isso quer dizer que o número de idosos aumentará significativamente nas próximas décadas e a quantidade de aposentados crescerá no mesmo ritmo. Assim, o total de trabalhadores em atividade despencará e o regime de repartição simples, em que os ativos bancam os mais velhos, ficará ainda mais desequilibrado.

"A previdência é uma opção entre o consumo presente e o consumo futuro. E o Estado interfere nessa escolha. Assume o modelo protetivo. A aposentadoria por tempo de contribuição, que prevalece atualmente, foi criada para renovar o mercado de trabalho. Foi um pacto suicida feito no pós-guerra, mas a grande maioria dos países europeus já se deu conta disso. Naquele continente, a idade mínima para ter acesso a um benefício gira em torno de 65 anos ou mais para homens e mulheres", diz Fabio Zambitte Ibrahim, professor de direito previdenciário da escola de negócios Ibmec do Rio de Janeiro.

Críticos

Os especialistas são unânimes em afirmar que, quando se trata de Previdência, a necessidade de mudanças nas leis é gritante. O problema, porém, é vencer as resistências políticas, que são grandes. Para fazer avançar a proposta de reforma, a presidente Dilma Rousseff terá que passar por cima do PT e das lideranças sindicais que dão sustentação ao governo, já enfraquecido pela gestão desastrosa na economia e pelas denúncias de corrupção.

Transição de regras levará até 30 anos

Outro fator com forte impacto nas contas do INSS é a redução da taxa de natalidade, que caiu de 6,2 filhos por mulher, nos anos 1960, para 1,8 nos dias atuais. Coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Caetano detalha que a transição demográfica que acontecerá nos próximos 20 anos no Brasil demorou 200 para ocorrer na Europa.

"Nossa população ainda cresce por um movimento inercial. Mas a distribuição etária da sociedade tem atualmente a forma de um barril. Aquela pirâmide de jovens na base não existe mais. São os mais jovens que trabalham e contribuem para a Previdência, e eles esperam receber seus benefícios quando envelhecerem. O problema é que, até lá, não haverá pessoas em número suficiente para sustentar os pagamentos", afirma Caetano.

Nas contas de Fabio Giambiagi, economista e especialista em Previdência Social, o bônus demográfico - quando há mais jovens em idade ativa na população do que idosos - continuará até por volta de 2030. "Nós perdemos uma oportunidade de ouro de fazer as reformas. Não havia melhor condição do que nos sete ou oito anos em que o emprego cresceu ano após ano - até 2014. Agora, chegou o momento das escolhas difíceis. Não dá mais para esperar. Mesmo porque é necessário ter um prazo de transição de 20 a 30 anos para se concretizar as mudanças", enfatiza.

"No ambiente de crise tríplice que o país atravessa hoje - política, econômica e de valores -, o maior problema é saber como o Palácio do Planalto conseguirá aprovar uma reforma, já que conta com pouco mais que 140 votos fiéis no Congresso", diz o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.

Fabio Giambiagi nota que a dificuldade de fazer reformas como a da Previdência vem do fato de que os custos, representados pela restrição de benefícios a determinados grupos sociais, aparecem de imediato. Já os ganhos não vêm a curto prazo. "As reformas geram benefícios difusos, os quais não se vê de imediato. Eles se distribuem ao longo de décadas para milhões de pessoas", observa. "O importante é ficar claro que, do jeito em que está, a Previdência não é viável a longo prazo. Quanto antes a sociedade se convencer de que mudanças são necessárias, melhor para todo mundo".afirma.

(CELIA PERRONE - Correio Braziliense-10.01)

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