O pior 1º de Maio
Foi rápido e agudo o efeito da crise sanitária no mercado de trabalho brasileiro. No primeiro resultado da Pnad Contínua após o início do isolamento social em resposta à pandemia, o IBGE apresentou um cenário de intensa deterioração nas vagas ocupadas pelos mais vulneráveis. Nunca foi exagero reivindicar políticas emergenciais de proteção social às trabalhadoras domésticas e aos informais. Eles saíram diretamente da ocupação precária para o desemprego. Nenhum grupo sentiu mais a súbita desaceleração da economia. Nada a comemorar no Primeiro de Maio.
Levantamentos divulgados nas primeiras semanas de distanciamento já indicavam que o impacto nas condições de vida das famílias à beira da vulnerabilidade seria grande. Em consulta a 1.142 moradores de 262 favelas entre os dias 20 e 22 de março, o Data Favela apurou que mais da metade (54%) temia perder o emprego, e 86% teriam dificuldades para comprar comida em até um mês, se ficassem sem rendimentos. Em meados de abril, o Instituto Locomotiva estimou que 39% das diaristas e 13% das empregadas domésticas mensalistas foram dispensadas sem direito a remuneração.
As estatísticas do IBGE confirmaram a tendência. No primeiro trimestre de 2020, 832 mil assalariados sem carteira assinada, 742 mil conta própria sem CNPJ e 385 mil trabalhadores domésticos ficaram sem ocupação. São justamente os grupamentos profissionais de menor remuneração e com presença maiúscula de mulheres e negros, numa evidência de que a crise socioeconômica oriunda da pandemia tem mesmo gênero e raça.
A Pnad Contínua é o mais completo retrato do mercado de trabalho brasileiro, porque é capaz de acompanhar mensalmente a flutuação da mão de obra e todos os fenômenos que nela incidem. Os resultados do primeiro trimestre chamaram atenção pela rapidez com que exibiram o impacto da pandemia. Como a pesquisa leva em conta trimestres móveis, os números de março carregam dados de janeiro e fevereiro, pré-Covid-19. Ainda assim, o início de 2020 foi o pior da série histórica iniciada em 2012.
Afora o aumento de 1,218 milhão no total de desempregados (pessoas que não trabalharam e buscaram vaga), o total de ocupados despencou 2,5%. Significa que ficaram sem trabalho 2,329 milhões de brasileiros, dos quais 1,929 milhão estava na informalidade. Comércio, construção civil e serviço doméstico foram os setores que mais dispensaram mão de obra. Indústria, alojamento e alimentação e atividades como salões de beleza (outros serviços) também tiveram desempenho negativo. “O setor que menos sentiu foi o de transportes, provavelmente pelo aumento na demanda por serviços de entrega domiciliar. Mas o rendimento não subiu”, sublinhou Cimar Azeredo, diretor-adjunto de Pesquisas do IBGE.
De tão agudo, o ajuste reduziu em R$ 2,882 bilhões (-1,3%) a massa de rendimentos habitualmente recebida pelos brasileiros. É situação que tende a se agravar nos próximos meses e, com ela, a capacidade de consumo das famílias e a recessão. Isso porque a equipe econômica de Jair Bolsonaro permitiu suspensão dos contratos de trabalho ou redução de jornada e salário com reposição parcial da remuneração perdida. Com menos dinheiro no bolso, a população consome menos e/ou se endivida, atrapalhando a recuperação do Produto Interno Bruto. O incremento no Bolsa Família, por sua vez, é bem-vindo — assim como o auxílio emergencial de R$ 600, quando resolvidos os problemas decorrentes do método equivocado de inscrição e pagamento.
A pandemia de Covid-19 encontrou um mercado de trabalho já exposto à precarização e refém de uma recuperação medíocre, ancorada no emprego sem carteira assinada e no trabalho autônomo informal. A esse ambiente frágil se somam a queda expressiva de circulação de pessoas nas ruas e a perda de poder aquisitivo das famílias. Turismo, cultura e entretenimento já foram impiedosamente castigados com as restrições à aglomeração.
O teletrabalho, crescente no período de isolamento, pode se tornar mais um fator de mudança de hábitos de consumo, principalmente em itens de vestuário, beleza e cuidados pessoais. As jornadas domésticas também reduzem oportunidades de compras relacionadas ao deslocamento de trabalhadores e estudantes. Tudo isso afeta profundamente comércio e serviços, setores intensivos em mão de obra formal ou não.
A consultoria internacional Kantar, de pesquisa de mercado, num primeiro diagnóstico pós-pandemia estimou redução de 8% no gasto total, 5% na frequência de ida a pontos de venda e 9% na quantidade de produtos adquiridos por consumidores brasileiros. Cenário semelhante foi observado na China. O mundo está se adaptando a novos modelos de relações de trabalho e consumo. É urgente que, no Brasil, governos, setor privado e sociedade civil encontrem espaço para planejar o futuro. Ou veremos perpetuadas vulnerabilidades que pareciam temporárias.
(G1)