20/11/2015

Brasil

Muito fundo para pouco patrimônio

O Brasil é o país com o maior número de fundos de investimento do mundo. São 14.477 carteiras, incluídos os fundos de fundos, 30% mais do que nos Estados Unidos, que é o maior em valor sob gestão, sede de 10.934 carteiras, com US$ 20 trilhões. O Brasil ganha também de Luxemburgo, país devotado à função de prateleira internacional de fundos, sede de 14.015 carteiras e segundo maior em patrimônio, US$ 3,95 trilhões. Em valor sob gestão, os brasileiros estão bem atrás. São os oitavos, com US$ 1,39 trilhão sob gestão. 

Quando excluídos fundos de fundos, o Brasil é o sexto maior em número de carteiras, também discrepante com a posição em valor sob gestão, 11ª nesse caso. Em meio a tantas opções, não é difícil que o investidor fique perdido. 

"O que precisaríamos é de um processo de racionalização geral", diz William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Tem grandes bancos com 400 fundos abertos", completa. 

Entre os motivos apontados para a proliferação das carteiras estão as exigências da regulamentação. Quando um banco incorpora outro, exemplifica Eid, nem sempre consegue extinguir os fundos dele. A liquidação de um fundo precisa ser aprovada em assembleia e os cotistas não têm o costume de frequentá-las. O mesmo vale para mudanças na política de investimentos, diz o professor da FGV. 

"Muitas vezes dependendo do tema que você fosse colocar em assembleia, era muito mais fácil abrir um novo fundo", diz também Carlos Takahashi, presidente da gestora do Banco do Brasil, a maior do país em valor sob gestão, e vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Para Takahashi, a nova regulamentação de fundos, a Instrução nº 555 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que entrou em vigor em outubro, tende a reduzir a proliferação de carteiras. 

A nova regulamentação elimina, por exemplo, a exigência de fazer a convocação para assembleia por meio de correspondência, comunicação de alto custo, especialmente no caso de produtos de varejo. Agora o convite pode ser encaminhado por e-mail, além de ficar disponível nas páginas do administrador e do distribuidor na internet. Ainda que a nova regra não atraia mais cotistas à assembleia, o fato de a convocação ficar mais barata pode levar as instituições a insistirem na realização do evento em vez de partir para a criação de mais um fundo. 

Outro motivo para o grande número é o fato de a regulamentação brasileira proibir a diferenciação de cotistas em uma mesma carteira. Em outros países, um único fundo pode ter várias classes diferentes, como uma dedicada ao investidor institucional e outra à pessoa física, com taxas de administração diferentes. No Brasil, uma gestora abre vários fundos com a mesma estratégia com diferenciação somente de taxas, menores com o aumento da aplicação mínima. 

Para completar, há um grande volume de fundos exclusivos e restritos. Fundos de pensão, empresas e pessoas físicas agregam vários fundos em uma carteira para um ou poucos cotistas. O atrativo é a diferenciação tributária. Dentro do fundo exclusivo, perdas são compensadas com ganhos antes da tributação. Se o fundo for fechado, com apenas uma amortização por ano, não há come-cotas, tributação semestral que incide sobre fundos de renda fixa e multimercados. 

Os fundos exclusivos, em geral, são montados para patrimônio mínimo de R$ 10 milhões, quando o mercado considera que o custo passa a compensar. Para Eid, da FGV, o valor é baixo. "Focando na questão de custos, calculo uns R$ 50 milhões como mínimo." 

Fora do país, os patrimônios de grandes famílias são alocados por meio de outras estruturas, como os "trusts", por exemplo, diz Edivar de Queiroz, sócio-fundador da Luz Soluções Financeiras. Ele vê uma vantagem, entretanto, na organização do patrimônio via fundos: a transparência, já que essas carteiras estão sob o olhar da CVM. 

O grande número de gestoras de recursos também é indicado como um motivo para a proliferação de fundos. São 533 casas, sendo que 47% delas administram menos do que R$ 100 milhões. A falta de barreira de entrada para montar uma gestora é outra peculiaridade do mercado de fundos brasileiro, aponta Queiroz. É comum, diz, que executivos de tesourarias de bancos, depois de acumular certo patrimônio, montem uma casa para cuidar do próprio dinheiro. "Na Ataulfo de Paiva não tem mais casas de suco, só assets", brinca Queiroz, em referência à avenida do bairro do Leblon, no Rio, onde se concentra grande número de gestoras independentes. 

"É o que chamamos de asset dos três amigos", brinca também Francisca Brasileiro, consultora sênior de investimentos da Towers Watson Brasil. São casas abertas para gerir os recursos dos próprios sócios, que em alguns casos passam a cuidar do patrimônio de famílias e amigos. 

O grande volume dificulta a vida do investidor, diz Francisca. E, em meio a tantas opções, ele prefere ficar em uma só. "Por simplicidade e por não ter uma estrutura que permita analisar tantos fundos, o investidor acaba consolidando em um único gestor, com quem ele já tem relacionamento", diz. Leia-se, o próprio banco. Os cinco maiores gestores brasileiros são bancos e têm, em mãos, 63% do patrimônio investido em fundos. 

Volume significa mais concorrência e, portanto, deveria ser algo positivo, aponta Marco Bonomo, professor de economia do Insper. O problema, considera, é que o patrimônio acaba concentrado nos produtos menos interessantes. "Os investidores mais sofisticados sabem que existe uma indústria à parte dos grandes bancos, mas, na verdade, a maior parte das pessoas tem pouco conhecimento disso e costuma pagar taxas de administração muito altas", diz Bonomo. 

É comum no Brasil investidores pagarem taxas diferentes por produtos exatamente idênticos dependendo do gestor, como fundos DI, aponta o professor do Insper. "Não é loja de luxo: prefiro pagar mais caro porque aqui sou mais bem tratado. É um problema de informação mesmo", defende. 

"Vejo uma sobreposição grande de estratégias. Muda a placa, muda o canal de distribuição, mas quando você abre a carteira vê uma proximidade muito grande", diz Gustavo Pires, responsável pela plataforma de fundos da XP. A prateleira tem hoje 350 fundos de 80 gestoras diferentes. E cerca de 20 novas casas batem à porta por mês. Muitas são recusadas, conta Pires, não por uma característica negativa, mas por não ter um diferencial em relação às estratégias que já estão disponíveis aos clientes. 

A proposta da XP é ter uma oferta ampla, mas a experiência mostrou que é preciso ajudar o cliente a escolher. "Não podemos investir somente em ter mais fundos, mas em filtros que ajudem o cliente a selecionar as melhores alternativas", conta Pires. Há um ano, os fundos são apresentados na plataforma da XP com estrelas, seguindo a classificação da provedora de informações independente Morningstar. 

Os especialistas no mercado de fundos veem, entretanto, dias contados para tal fartura de gestoras e carteiras. Por um lado, diante da falta de previsibilidade, os investidores esvaziam os produtos de maior risco, com frequência o nicho dos gestores independentes. Por outro, há as mudanças na regulamentação. 

Além da 555, que traz as alterações para assembleias, por exemplo, há a Instrução nº 558, que trata do exercício de administração de carteiras. A nova regra impõe restrições para a instituição assumir a função de administrador fiduciário, como o patrimônio mínimo de R$ 550 mil. Pires, da XP, observa que os administradores, ao ser mais exigidos, sobem a régua para os gestores com os quais trabalham. "E, do nosso lado, de distribuidores, também temos um sarrafo na hora de escolher o administrador, que é o responsável final pelo fundo", diz Pires. Ou seja: ao ter dificuldade para encontrar um bom administrador, gestores também podem sofrer para ter seus produtos distribuídos. 

A 558 traz ainda exigências burocráticas para os próprios gestores de recursos, aponta Queiroz, da Luz, como a de ter um diretor de risco, que não pode ser o mesmo responsável pela gestão. "Tem uma série de controles que antes não existiam. O gestor que tocava o negócio com um analista e uma secretária não vai mais conseguir", diz. As exigências regulatórias e de custos vão, na opinião de Queiroz, levar ao fechamento de algumas casas e à fusão de outras. 

Francisca, da Towers Watson, também percebe esse movimento, com casas internacionais comprando ou fazendo parcerias com gestoras brasileiras. "Acho que o boom de casas passou e você já começa a ter uma consolidação", diz.  (Luciana Seabra - Valor Online)

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