11/04/2016

Mínimo e INSS foram principais redutores da desigualdade

Os aumentos do salário mínimo explicam boa parte da redução da pobreza

e da desigualdade nos últimos anos, mas especialistas divergem sobre a eficácia e o custo de continuar usando os reajustes como instrumento de política social, especialmente atrelados à Previdência. Entre 1995 e 2015, o mínimo subiu 116,3% em termos reais, parte incorporada ao piso de remuneração do trabalhador, aos benefícios previdenciários e de assistência social e também ao piso do seguro-desemprego e abono salarial.

Tese defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF) aquece o debate ao demonstrar que foi justamente o efeito do mínimo via Previdência Social que explicou a maior parte da queda da desigualdade no longo prazo. Entre 1995 e 2013, 72,4% da redução do índice de Gini da renda domiciliar per capita - que caiu 12,2% - se deveu ao salário mínimo por diversos canais: mercado de trabalho, Previdência e assistência, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A questão é que só o canal da Previdência contribuiu com quase 40% da queda da desigualdade no período mencionado.

O trabalho, tese de doutorado defendida pela economista Alessandra Scalioni Brito, inova ao ter como foco a vinculação da política de salário mínimo como piso da Previdência. Em 2013, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 54,9% dos aposentados e pensionistas recebiam o piso. O mínimo era também a remuneração de 15,2% dos ocupados, além de ser o valor recebido pelos beneficiários do BPC.

Segundo Alessandra, ainda que os efeitos fiscais devam ser ponderados, a vinculação tem um potencial distributivo importante, sobretudo pelo fato de grande parte dos aposentados e pensionistas no país receber exatamente o piso previdenciário. "O estudo dá subsídios para quem formula políticas públicas ao mostrar que a vinculação do salário mínimo como piso da Previdência é essencial como política distributiva", diz a também pesquisadora do IBGE.

O assunto é polêmico. Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, lembra que, no mercado de trabalho, em uma escala de zero a cem, o mínimo atinge as pessoas do 25º percentil, ou seja, aquelas que se encontram abaixo da mediana, o que contribuiria para a redução da desigualdade. Ele nota ainda que, nos últimos 15 anos, o movimento não provocou nem aumento do desemprego nem da informalidade, como esperavam alguns.

Menezes diz, porém, que a renda familiar per capita de quem recebe o mínimo via aposentadoria já está mais próxima da mediana - o que deixa os efeitos do mínimo mais próximos do esgotamento, embora ainda não se saiba ainda o quão perto. Além disso, diz ele, com a transição demográfica o número de aposentados deve crescer de modo significativo nos próximos anos. "Mesmo eu, que enfatizo muito o efeito do mínimo sobre a redução da desigualdade, sei que há um limite", diz Menezes, que defende uma reforma geral na Previdência como precondição para que o mínimo continue indexando os benefícios do setor.

Luís Eduardo Afonso, professor da FEA-USP e especialista em Previdência, questiona o custo da política de valorização do mínimo. "Foi a mais adequada? Ou seria possível ter adotado outra política que afetasse igualmente a redução da desigualdade e custasse possivelmente menos para a sociedade? Essa é uma pergunta importante." Afonso diz ainda que a Pnad não identifica separadamente alguns programas sociais, como o Bolsa Família, enquadrado na variável "outros rendimentos", o que pode subestimar o impacto do programa sobre a desigualdade.

Segundo Afonso, o mínimo já não é uma política que funciona bem para reduzir a pobreza extrema - como demonstra trabalho conduzido por ele mesmo ao lado de outros autores. "Há outras políticas mais efetivas, que são as focadas, sendo a melhor delas o Bolsa Família", diz. "O montante gasto com o Bolsa Família não é tão elevado se comparado aos benefícios que ele tem na redução da pobreza." Afonso diz que a vinculação do mínimo ao INSS reduziu desigualdade, mas com custo alto. "Muito em breve vai ser obrigatório repensar a política de aumentos reais de benefícios previdenciários. Talvez ela tenha que acabar."

Ana Maria Barufi, economista do Bradesco, diz que em um momento de alta do desemprego e do percentual de trabalhadores contratados de maneira informal, o mínimo pode ver sua potência sobre a desigualdade reduzida, já que pode atingir menos trabalhadores na parte inferior da distribuição de renda. Para ela, o papel do mínimo sobre a queda da desigualdade é inegável, mas é necessário questionar o fôlego desse processo em termos de custos para as empresas e para a sociedade. "É preciso ampliar a produtividade da mão de obra para que a economia cresça e seus efeitos sejam disseminados de modo sustentável."

"Não acho que mínimo infinito é a melhor coisa para a desigualdade, segurado apenas pelas contas públicas", diz Sergei Soares, ex-presidente do Ipea e especialista em desigualdade. Para ele, há um salário mínimo ótimo a partir do qual não se contribui mais para diminuição da desigualdade como ocorre, por exemplo, no Paraguai. Lá, conta Soares, o mínimo em dólares, seguindo a metodologia de paridade de poder de compra, é 62% superior ao brasileiro, mas é irreal e não melhora a vida de ninguém na metade de baixo da distribuição de renda ou perto da linha de pobreza.

No Brasil, diz Soares, apesar dos aumentos das últimas décadas, ainda existiria espaço para elevações do mínimo, desde que feitas com cautela. "Não sei se há possibilidade de aumento real agora com a economia se contraindo", diz. Segundo ele, o mínimo sobe demais quando a economia vai bem e, como todo gasto público no Brasil, é resistente à queda. "Talvez a regra de aumento pudesse ser mais moderada, quando a economia vai muito bem, para, em contrapartida, segurar bem na descida."

(Flavia Lima - Valor Online)

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