20/01/2016

Matemática previdenciária

A Previdência Social não pode nunca ser encarada como um tema meramente matemático

Nos mais de 20 anos em que tenho me dedicado ao tratamento de temas previdenciários, aprendi a duras penas, tendo começado essa "caminhada" como uma combinação inicial indigesta de tecnocrata e acadêmico, que a Previdência Social não pode nunca ser encarada como um tema meramente matemático, porque ela reflete um contrato social e, portanto, envolve componentes idiossincráticos, sociais e políticos, nem sempre passíveis de serem enquadrados na frieza de uma equação. Porém, mesmo reconhecendo a influência de outros fatores que não os que aprendi lendo os artigos de economia que tratavam do assunto, sempre tenho enfatizado uma lição que nossa classe política e, de certa forma, a maioria da população, ainda parece esquecer: a de que não se deve ignorar que a Previdência Social é, também, uma questão matemática.

Reduzir a complexidade do tema ao rigor dos números é, como acabamos percebendo todos os economistas que lidamos com o tema, uma abordagem míope da questão. Por outro lado, desconhecer que, por mais importantes que sejam os fatores sociais, há tendências numéricas incontornáveis, é um equívoco que, se mantido durante muito tempo, pode levar as nações a enfrentar situações dramáticas resultantes da sua incapacidade de se preparar devidamente para o futuro. A Grécia está aí para mostrar isso.

Quem procura no Aurélio a definição de "previdente" encontrará a explicação de que significa "que prevê; cauteloso, prevenido, cauteloso, prudente". No fundo, a questão matemática inerente a essa discussão se relaciona justamente com a capacidade de saber se preparar adequadamente para o futuro.

Mesmo envolvendo componentes sociais e políticos, a Previdência Social é, também, uma questão matemática. Para entender melhor o assunto, considerem-se as seguintes definições: C - contribuição previdenciária média; N - número de contribuintes do sistema; A - valor médio dos benefícios; B - número de benefícios e S - salário médio da economia. E os seguintes coeficientes: c - alíquota de contribuição previdenciária (C/S) e a - percentual do benefício em relação ao salário, ou "taxa de reposição" (A/S).

Quando o sistema está em equilíbrio, as receitas oriundas das contribuições igualam as despesas com benefícios (aposentadorias, pensões e outros), o que significa que CxN = AxB. Como C = c x S e A = a x S, substituindo na igualdade anterior, tem-se que c x S x N = a x S x B. Cortando o termo S de ambos lados e fazendo uma pequena troca de posições, chega-se à conclusão de que c = a x (B/N).

Em outras palavras, a alíquota contributiva c, em equilíbrio, será uma função de dois elementos: 1- a relação (a) entre o valor dos benefícios e o salário médio da economia; e 2- o coeficiente entre o número de benefícios B e o número N de contribuintes do sistema.

O que aconteceu no Brasil desde a estabilização da economia? Primeiro, o salário mínimo, que indexa 2 de cada 3 benefícios, teve um incremento muito maior que o dos salários (ver gráfico). E segundo, o número de aposentados e pensionistas tende a crescer a uma velocidade maior que a de contribuintes do sistema. A alíquota de contribuição previdenciária em relação ao salário deveria, portanto, aumentar.

Na prática, o que houve na vida real foram duas coisas. Por um lado, sim, houve um esforço arrecadatório importante para elevar a receita de contribuições. Por outro, o sistema entrou em déficit, estando hoje a léguas de distância do equilíbrio. Em consequência, a despesa do INSS, que em 1988 era de 2,5 % do PIB, chegará em 2016 a ser de quase 8 % do PIB, obrigando o governo a se endividar para cobrir o "rombo" previdenciário.

O que se espera que aconteça no futuro, se nada for feito? Primeiro, se a regra não mudar, haverá uma continuidade da tendência de aumento do salário mínimo, afetando uma parcela crescente da folha do INSS. E segundo, ocorrerá um novo incremento da relação entre B e N, associada a razões demográficas: pelas projeções do IBGE, nos 35 anos entre 2015 e 2050, a população de 15 a 59 anos deverá declinar a uma taxa média anual de 0,1 %, enquanto que a população de 60 anos ou mais crescerá a uma média de 3,0 % a.a.

O que deveria ser feito, diante disso? Fundamentalmente, duas coisas: 1- mudar a regra do salário mínimo para que 2/3 das aposentadorias deixem de aumentar tanto como aumentaram nos últimos 20 anos; e 2- aprovar uma reforma previdenciária que postergue o momento da aposentadoria, na prática controlando a trajetória de B e modificando a trajetória da relação (B/N), mitigando a crise fiscal da Previdência.

Se isso não ocorrer, a despesa do INSS continuará aumentando e a dívida pública assumirá uma tendência explosiva em relação ao PIB. Não há receita melhor para termos um crescimento medíocre nos próximos 20 ou 30 anos. 

(Fabio Giambiagi - Valor Online)
 

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