07/06/2016

Investir é crescer

Para aqueles que sempre viram a economia como uma disciplina "aberta"

Para aqueles que sempre viram a economia como uma disciplina "aberta" e reusam "manifestos", "rótulos" ou "ismos", viseiras que limitam o entendimento da riqueza e da complexidade crescentes que vão se incorporando à realidade, é evidente que boa parte do que se ensina hoje como macroeconomia está à espera de uma atualização. Será o resultado dos estragos produzidos pela devastadora crise de 2007/08, que os Bancos Centrais, acreditando-se em portadores de uma "ciência monetária" ajudaram a criar, mas mostram-se incapazes de superar.

A minha geração, que em 1947 estudou no primeiro ano do curso a "Economia Política" num longo manual francês e logo no segundo enfrentou o "Economics" do Paul Samuelson, assistiu a um espetáculo semelhante. A 2ª Guerra Mundial havia mudado tudo: o papel do Estado, as instituições e o comportamento dos homens. O velho texto francês era a "Economia Política" ensinada nas escolas de direito nos anos que antecederam à guerra. Foi enterrado pela nova, clara e geométrica "economia" posterior à guerra, e produzida pelos próprios economistas vindos da guerra: uma ciência positiva que se orgulhava de não incorporar juízos de valor. Um despautério, a não ser que se entenda a economia como um jogo de salão que os economistas inventaram para divertirem-se entre si.

A nova visão já aparece em alguns documentos do FMI e é confirmada num interessante artigo de Olivier Blanchard, no Paterson Institute for International Economics (PIIE) (no dia 2 de junho), no qual ele afirma que ao terminar o mandato de sete anos como economista-chefe do FMI e começar a repensar, para a 7ª edição do seu livro, "Macroeconomics", como enfrentar o problema de ensinar a nova macroeconomia que nasceu depois da crise.

Uma nova visão já aparece em alguns documentos do FMI

Vale a pena ler. As conclusões são sinais claros das mudanças que a prática da macroeconomia, em dezenas de países com diferentes regimes políticos, lhe ensinou. Como não poderia ser, a curva que iguala a oferta total à demanda total para cada taxa de juros, que no fundo é uma identidade obtida com a hipótese que o investimento é determinado pelo nível de PIB e pela taxa de juro real, fica intacta. No curto prazo é a demanda por bens e serviços que determina o nível do PIB. Se a sociedade poupa mais, isso reduz a demanda, o que reduz o PIB. O mesmo efeito tem uma redução dos gastos públicos, a não ser em condições especialíssimas. Não há garantia do pleno emprego.

Isso sugere a ingenuidade da proposta "reduza o déficit fiscal, mantenha a casa em ordem e não se preocupe, porque a economia voltará ao pleno emprego". O importante é que a demanda depende das expectativas sobre o futuro e da taxa de juros real à qual pode-se tomar empréstimo no mercado, como afirmado pelo velho Keynes. Logo, a incerteza e o pessimismo, justificados ou não, reduzem a demanda e podem reduzir o PIB e a estagnação realizará a "expectativa". O resto do artigo é fundamental. Relativiza algumas das falsas certezas que às vezes surpreendemos nas posições das diferentes seitas que se acomodam sob o manto generoso da economia "aberta".

Nosso objetivo, entretanto, é explorar pragmaticamente o que - quando há fatores de produção disponíveis - estimula o investimento (público e privado) que é a poderosa alavanca do aumento da demanda presente e do aumento da oferta futura, ou seja, a fonte do desenvolvimento econômico, condição necessária (ainda que não suficiente) para o desenvolvimento inclusivo, base da coesão social que garante a estabilidade política.

É claro que o investimento público pode (e em alguns casos, talvez deva) ser financiado pelo endividamento do Estado, mas deve-se privilegiar os projetos de infraestrutura cujas taxas de retorno social são superiores às privadas, tudo com transparência e custos no orçamento. A restrição é que a relação dívida/PIB deve manter-se em nível confortável para, numa queda eventual de demanda, utilizar-se de uma política fiscal agressiva.

Para o investimento privado, o resumo do conhecimento empírico acumulado parece indicar que a relação investimento/PIB depende: 1º) do ambiente geral de negócios e do comportamento amigável da autoridade. Esta deve respeitar o fato que o "espírito animal" do investidor o leva a escolher os projetos com maior taxa de retorno. As restrições legais ou ideológicas podem ser severas (ele as embute), mas devem ser estáveis; 2º) da diferença entre a taxa de juro real que poderia obter em aplicações alternativas; 3º) da facilidade de crédito com colaterais razoáveis; e 4º) da diferença que se espera entre o valor atual do investimento e o valor atual dos seus resultados no mercado.

Nada muito diferente do que sugere Blanchard: perspectiva de crescimento, taxa de juro real do mercado adequada e segurança regulatória são os fatores que impulsionam os investimentos de hoje que aumentam a demanda de hoje e a capacidade produtiva de amanhã. Por que, no Brasil, vamos continuar a gastar tempo com essa ridícula disputa entre "neoliberais" e "heterodoxos"?  

(Antonio Delfim Netto - Valor Online)

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