22/06/2016

Investimentos: resposta à crise

A nebulosidade dos cenários econômicos promete um segundo semestre ainda marcado pela aversão ao risco

A nebulosidade dos cenários econômicos promete um segundo semestre   ainda marcado pela aversão ao risco e acentuado rigor no tratamento dado à gestão de riscos pelos investidores institucionais. Transparência e governança são algumas das diretrizes que precisam ser constantemente aperfeiçoadas, recomendam especialistas.  Os segmentos de renda variável e de crédito privado tendem a ser analisados sob uma lupa cada vez mais rigorosa diante dos impactos da conjuntura.

Nesse ambiente, ganha destaque o conceito de stewardship (princípio ético de responsabilidade no planejamento e administração de recursos) das empresas investidas, segundo enfatiza o gestor de Investimentos da Aberdeen Asset Management, Eduardo Figueiredo.

Em debate promovido em São Paulo pela LUZ Soluções Financeiras com apoio da Abrapp, ele reforçou o stwardship como um dever dos investidores com perfil de longo prazo, um trabalho que exige dedicação e esforço: “A discussão sobre as melhores práticas de governança e sustentabilidade nas empresas é essencial neste momento e o investidor de longo prazo não pode mais assumir uma atitude passiva, ele precisa atuar inclusive no monitoramento dos investimentos feitos”.

No que diz respeito às perspectivas de investimentos em ativos de crédito privado, as dificuldades refletem de modo particular os efeitos do cenário macroeconômico sobre o empresariado, “impacto que é único, devido à contração do PIB, à inflação e ao desemprego elevados,  um ambiente que dificulta até mesmo as comparações pelas agências de rating”, pontua o diretor executivo de Gestão de Ativos da BB DTVM, Carlos José da Costa André.  Governança e transparência também são pontos vitais para os investidores.

Avaliação de risco - Até o momento, prevalece em 2016 a preferência dos investidores em crédito privado pelas debêntures de leasing, instrumento de captação para os bancos. “Há uma retração de volumes nesse mercado e concentração de emissões de títulos de instituições financeiras para servir como funding, ao mesmo tempo em que tem havido uma redução nos prazos médios captação desde 2013 por conta da maior aversão a risco”. Essa característica ocorre também nos prazos finais e nos prazos de repactuação das emissões. No caso dos investidores institucionais, observa André, tem havido uma contração nas emissões indexadas ao IPCA, o que é natural.

“Há interesse por setores como energia elétrica, logística e transportes, mas a grande concentração é para refinanciamentos das empresas porque o endividamento assusta, os índices de alavancagem estão pressionados e os rebaixamentos do rating soberano, com perspectiva negativa, não ajudam nesse processo”.  Emissores com exposição aos mercados externos, como os de papel e celulose e alimentos, e fluxos de caixa previsíveis (concessão rodoviária) têm mostrado visões menos pessimistas.

No quadro geral, a perspectiva de recuperação do grau de investimento pelo Brasil não está muito próxima, sublinha André, já que depois que se perde essa nota, o prazo médio é de seis anos para sua recuperação. Historicamente, mais de 70% das debêntures emitidas detinham rating a partir de “AA-”, mas a atual conjuntura, de maior fragilidade dos emissores, alterou esse dado, mais pressionado agora pelos volumes de outlooks negativos.

André lembra ainda que a volatilidade nos preços exige cuidado especial. Ele cita, entre outros pontos essenciais para lidar com esse ambiente, as diretrizes da Anbima de precificação, contidas no manual de melhores práticas para marcação a mercado dos ativos.

A transparência nos processos de liquidez e formação de preços é uma dessas diretrizes, assim como evidenciar os pontos de maior importância em momentos de crise, evidenciar a estrutura organizacional e o processo de decisão em precificação, com independência nessas decisões e, finalmente, seguir o princípio norteador de dar tratamento equânime e transparente entre os cotistas.

As boas práticas de governança nas decisões são cruciais, ressalta André, assim como a necessidade de critérios nas alocações por conta da concentração dos setores emissores. “O crédito privado não é uma opção simples para obter retornos maiores e de baixa volatilidade, o que torna fundamental ter equipes dedicadas à análise”.

Avaliar qualidade - Apesar da importância do tema do stewardship, Eduardo Figueiredo avalia que poucos gestores se dedicam de fato ao controle de riscos de governança atualmente.  Ter a necessária flexibilidade para reconhecer que mudanças de governança das empresas exigem tempo e que existem exceções é uma das habilidades no esforço de stewardship, ressalta Figueiredo. Votar é um ponto crucial nesse processo, até porque os gestores são responsáveis pela decisão de voto e não votar tem consequências.

“O voto é a formalização de um direito do acionista mas entendemos que ele é o último recurso nesse processo porque preferimos exigir um engajamento das empresas antes das assembléias”, diz o gestor. No modelo de stewardship, portanto, o voto é importante, mas não é suficiente já que o investidor precisa assumir também a postura de dono e provedor de capital, atuando de maneira permanente por meio de um esforço ativo e voltado para a sustentabilidade do negócio no longo prazo.

Levando em conta que o nível de governança afeta a qualidade da empresa, é fundamental ter um engajamento com reguladores e empresas para garantir que as boas práticas sejam aplicadas. Ao listar as principais áreas de risco e as ações mitigadoras, Figueiredo destaca: Para evitar o abuso do poder de controle, é necessário incentivar o tratamento igualitário a todos os acionistas e a proteção legal a minoritários; contra o risco de má gestão, é preciso contribuir para os processos de nomeação de executivos e conselheiros e no processo sucessório, avaliando os executivos.

Para mitigar o risco de erros estratégicos, o caminho é ter foco nas grandes transações e na gestão de capital, utilizando o poder de voto se for necessário. O risco de um Conselho de Administração ineficiente pode ser mitigado ao relembrar os conselheiros de suas responsabilidades, encorajar sua independência e renovação. Quanto ao risco de que a empresa tenha uma política de remuneração desalinhada, a mitigação decorre de avaliar essa remuneração, alinhar os incentivos à criação de valor no longo prazo e encorajar a transparência.

No que diz respeito ao risco de transação entre partes relacionadas, a recomendação é de incentivar uma forte fiscalização por parte do Conselho e transparência na divulgação de informações. Para mitigar o risco de fraca proteção legal é preciso construir um relacionamento com os reguladores e incentivar a proteção aos minoritários.

(Martha E. Corazza - Diário dos Fundos de Pensão)

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