29/08/2016

Inflação resiste e desafia economia

A economia brasileira tem enfrentado um paradoxo e desafiado a macroeconomia.

Um quadro como o do Brasil, com uma taxa básica de juros tão alta (em 14,25% ao ano) e a maior recessão desde a década de 30, já deveria ter resultado numa queda dos preços, dizem economistas. Mas não é o que se vê na prática, nas prateleiras dos supermercados, por exemplo. Nem a taxa de juros nem a crise foram suficientes para reduzir a inflação na velocidade esperada.

No ano passado, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 10,67% e, neste ano, deve encerrar em 7,31%, de acordo com o relatório Focus, boletim semanal do Banco Central que colhe projeções de uma centena de analistas de mercado. O índice continua, portanto, acima do teto da meta do governo, que é de 6,5%. "Tínhamos uma expectativa de que, passado o período de reajuste de preços contratuais de início de ano, haveria uma queda mais rápida da inflação", afirma Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada e ex-presidente do BC.

Os economistas encontram razões estruturais e de curto prazo que dificultam a queda da inflação no Brasil. A mais antiga delas está relacionada a um comportamento inercial histórico da economia. "Os fixadores de preço, sobretudo as firmas, guardaram provavelmente alguma memória do período pré-Plano Real, o que nos faz ter uma inércia muito grande", afirma Márcio Garcia, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio. "Ainda é preciso entender por que as firmas, numa situação em que não conseguem vender o produto, em vez de abaixarem o preço, preferem manter ou até o mesmo aumentar o preço."

Num recorte mais recente, a alta inflação, de acordo com analistas, pode ser explicada pela política econômica adotada na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff. No ano passado, por exemplo, o fim do controle de preços administrados - como os de energia elétrica - foi responsável por uma parte considerável do aumento do IPCA.

"O ajuste dos preços administrados deve ter sido concluído, mas alguma coisa dele ficou na forma de repasse", diz Salomão Quadros, superintendente adjunto de inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/ FGV).

A força atual da inflação também carrega um resquício da política monetária praticada na gestão de Alexandre Tombini na presidência do BC. Entre outubro de 2012 e abril de 2013, a Selic chegou a 7,25% ao ano - o menor patamar da história -, mesmo com a inflação distante do centro da meta (4,5%).

"A redução da taxa de juros permitiu que a inflação ganhasse uma nova força. A política monetária, durante boa parte do tempo, foi um pouco mais acomodatícia, sobretudo por causa daquela experiência de redução drástica da taxa de juros", afirma Salomão. "Há uma histórico pró-inflação em várias fontes. Foi feito tudo para a inflação subir."

Neste ano, as expectativas acabaram piorando por um fator adicional e que não estava no radar dos analistas: o comportamento do preços dos alimentos. "Cada mês aparece um vilão", afirma Loyola. Em julho, por exemplo, o preço do feijão preto subiu 41,59%, o carioca avançou 32,42% e o mulatinho aumentou 18,89%.

Caminho de queda. Embora a inflação mostre uma força inesperada, os economistas acreditam que está sendo traçado um caminho de queda. Em 2017, os analistas consultados pelo relatório Focus projetam o IPCA em 5,14% - o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já afirmou que espera trazer a inflação para a meta de 4,5% no ano que vem. "Quando a gente olha para frente, as perspectivas são otimistas. Primeiro, os aspectos sazonais tendem a desaparecer ao longo do tempo. Segundo, existe uma trajetória de taxa de câmbio que deve ajudar a inflação a cair", afirma Loyola. "Além disso, a política monetária se mantém bastante restritiva, embora a política fiscal continue expansionista", diz.

Frustração

"Tínhamos uma expectativa de que, passado o período de reajuste de preços contratuais de início de ano, haveria uma queda mais rápida da inflação." Gustavo Loyola EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
O CASO INFLACIONÁRIO BRASILEIRO

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central

"Acho que as perspectivas são otimistas" "Existe uma questão estrutural já observada há algum tempo que está relacionada com o alto grau de inércia da inflação brasileira e com sua baixa resposta à queda da atividade econômica. O Banco Central veio aumentando os juros e neste ano esperávamos uma queda mais rápida, principalmente quando se monitorava os preços que são formados em mercados como o de serviços. A inflação de serviços demorou para cair, e o recuo vem se dando de maneira bastante atenuada. Agora, quando a gente olha para frente, eu acho que as perspectivas são otimistas. Primeiro, os aspectos sazonais tendem a desaparecer ao longo do tempo. Segundo, existe uma trajetória de taxa de câmbio que deve ajudar a inflação a cair. Além disso, a política monetária se mantém bastante restritiva, embora a política fiscal continue expansionista."

Salomão Quadros, economista do Ibre/FGV

"Temos de frear uma energia inflacionária" "Temos de frear uma situação que ganhou muita energia inflacionária em várias frentes. Não era uma inflação frágil e que momentaneamente subiu. Eu vejo isso, às vezes, olhando para outros países. Por exemplo, a inflação no Chile em determinados momentos dá uma subida. Na crise internacional de 2008, foi a quase 10%, mas um ano depois ela já estava negativa. Atualmente, há uma série de fatores que estão se tornando anti-inflacionários. A taxa de desemprego subiu de um ano para cá, os salários nominais estão aumentando menos do que a inflação passada. Se tem salário subindo um pouco mais devagar, significa que os preços que derivam daqueles salários também devem subir um pouco mais devagar. Para 2017, condições mais favoráveis para o controle da inflação estão se formando e o mercado está acreditando numa redução."

Márcio Garcia, professor da PUC/Rio

"BC só tem a alternativa de manter juro alto" "O que é peculiar ao Brasil é a grande quantidade de inércia que a inflação tem. Ainda é preciso entender por que as firmas, numa situação em que não conseguem vender o produto, em vez de abaixarem o preço, preferem manter ou até mesmo aumentar o preço. O que falta na pesquisa econômica é mostrar qual o cálculo feito pelos formadores, o que faz com que, numa situação na qual em outros países haja baixa de preços, essa queda não ocorra aqui. Ainda não temos uma explicação. No caso do Banco Central, qualquer que seja a explicação, ele só tem uma alternativa: manter os juros mais altos para evitar que a inflação se propague. O que as pessoas reclamam é que o Brasil está sempre com o juro mais alto. Mas veja o que aconteceu quando o Alexandre Tombini (ex-presidente do BC) resolveu copiar os outros países: a inflação foi lá para cima." 

(Luiz Guilherme Gerbelli - O Estado de S.Paulo-21.08)

Para melhorar a sua experiência utilizamos cookies essenciais e de acordo com a nossa Política de Privacidade, ao continuar navegando, você declara que concorda com estas condições.