25/01/2016

Idade mínima só vale para os de baixa renda

O gasto anual do governo com eles será de R$ 111 bilhões, ou 22,6% do total, em 2016.

A necessidade de estipular uma idade mínima para dar sustentabilidade à Previdência Social, tão discutida nestes tempos de ajuste das contas públicas, atualmente só vale para os brasileiros de baixa renda que, apesar de representarem a maioria dos aposentados - 53% dos 18,3 milhões de benefícios pagos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) -, o gasto anual do governo com eles será de R$ 111 bilhões, ou 22,6% do total, em 2016.

Sem condições de comprovar o tempo real de trabalho, muitas vezes informal, só resta a essas pessoas a aposentadoria de um salário mínimo quando atingem os 65 anos, para homens, e 60, mulheres, depois de 15 anos de contribuição. São 9,7 milhões de brasileiros nessa situação no país. E o pior é que, mesmo com a renda limitada, acentuam uma distorção. São esses idosos os arrimos da família.

É o caso do pedreiro aposentado José Gonçalves de Araújo, 80 anos. Desde que, há 15 anos, quando conseguiu comprovar o tempo de serviço e se aposentou, ajuda a sustentar, com o benefício e bicos, que até hoje faz, a nora e quatro netos. Ele conta que foi difícil provar o vínculo empregatício, pois sempre trabalhou em obras, mas eram poucos os serviços que registravam em carteira.

Com a morte do filho, segurança, em um assalto, em 2008, coube a ele ajudar a família. Os netos tinham 3,6, 8 e 10 anos, à época, e a nora fazia faxina para sustentar a casa. Mas, com o dinheiro curto, até hoje não conseguiu desfrutar do merecido descanso. No tempo livre, planta milho e feijão no canteiro em frente à casa onde mora na Estrutural. "Quando estou sem fazer nenhum bico, vou lá e planto. O que estiver ao meu alcance para ajudar a minha família, eu farei", afirma José, que tem mais cinco netos de outros dois filhos.

Para o economista do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipea) Marcelo Caetano a realidade vivida pelo pedreiro mostra a fragilidade econômica e social do país. "É um quadro muito ruim. Na idade dele, deveria ser o contrário, os filhos e netos cuidando desse senhor", lamenta. Caetano ressalta que é melhor ter o benefício do que não, mas alerta que "essa situação indica uma distorção, que mais tarde, talvez, possa até resultar numa convulsão social".

Diferenças

O consultor de Orçamento da Câmara Legislativa e ex-secretário de Política de Previdência Social Leonardo Rolim afirma que a enorme diferença entre os valores das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade agravam o problema da desigualdade no país. Ele revela que, considerando todas as aposentadorias, as por tempo de contribuição são 105% maiores que as por idade, ou seja, são mais do que o dobro.

Considerando só as urbanas, a diferença ainda é gigantesca: 75,5%. Isso, apesar da enorme redução que as aposentadorias por tempo de contribuição têm em função do fator previdenciário, que vigorou até o ano passado.

Agora, com a regra 85/95, a diferença do valor médio de benefícios vai aumentar ainda mais, e a idade média de aposentadoria vai crescer pouco, afirma.  Rolim estima que a média passará de 54 anos para 56, lembrando que, por idade, é de 60 anos para a mulheres, e de 65, para o homem. "Portanto, hoje, os trabalhadores urbanos mais ricos se aposentam, em média, 9 anos mais jovens e recebem um benefício 75,5% maior. Com o 85/95, vão se aposentar 7 anos mais jovens, com um benefício 120% maior. Avalio que o valor médio dos benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição cresça 25% em função do 85/95", revela.

O economista britânico Brian Nicholson, autor de A Previdência Injusta: Como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil, questiona o que considera mais uma deturpação do sistema: "susbsídios que garantem mais de 40 salários mínimos por mês para uma classe privilegiada de funcionários públicos, militares e governantes". Ele considera corretíssimo subsidiar benefícios para os mais pobres e diz que a vinculação do mínimo para reajustar a aposentadoria não é o problema, mas, sim, o valor final com que a pessoa se aposenta.

Privilegiados

A cláusula petrea da Constituição brasileira, a do direito adquirido, deveria mudar, segundo o economista britânico Brian Necholson. Só assim, defende, haveria uma reversão no cenário previdenciário brasileiro. " O que foi criado originariamente era para proteger os pobres e humildes contra atitudes arbitrárias do governo, na prática, protege direitos adquiridos dos privilegiados", critica.

Sustento da família

O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano explica que só se aposentam por idade no Brasil pessoas que tiveram dificuldade na inserção ao mercado de trabalho. Na maioria dos casos, trabalharam na área de limpeza, construção, micro e pequenas empresas ou são empregados domésticos. "Nessas áreas a informalidade é grande e eles não conseguem somar os 35 anos de contribuição", constata. Para esses homens e mulheres, o salário mínimo pago, normalmente, é a renda da casa. Um estudo do Bradesco mostra que as aposentadorias respondem por 37,9% do rendimento dos lares da classe E, 34,2%, dos da classe D, e 20%, da classe C.

A distorção de pessoas com 60/65 anos sustentarem a família - filhos, netos e até bisnetos - com aposentadorias, na maioria dos casos, de um salário mínimo, também ocorre quando o benefício é assistencial, com o Loas, que prevê o pagamento do valor base de benefícios a pessoas que nunca contribuíram para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

É com a Loas e o dinheiro que consegue com coleta seletiva de lixo que Francisca Rodrigues de Oliveira, 75 anos, sustenta, há 10 anos, os seis netos e dois bisnetos, com idades que vão de 3 meses a 18 anos. Ela conta que o filho, de 39 anos, bebe e é muito violento, por isso, os netos foram se morar com ela. Francisca chegou a Brasília em 1966 e a vida inteira trabalhou com reciclagem para sobreviver.

Na opinião do ex-secretário de Política de Previdência Social, Leonardo Rolim, os benefícios pagos pelo governo continuarão segurando a renda das famílias ainda neste ano. "O aumento de 11,6% do salário mínimo deu um ganho real, ainda que pequeno, aos valores pagos. A inflação ficou em 10,7%. 

(CELIA PERRONE - Correio Braziliense)
 

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