07/03/2016

Rossetto resiste à reforma da Previdência

O Ministério da Fazenda fechou uma proposta de reforma da Previdência

O Ministério da Fazenda fechou uma proposta de reforma da Previdência que adota uma idade mínima e acaba com as diferenças nas regras para a aposentadoria entre homens e mulheres, funcionalismo público e setor privado, trabalhadores da cidade e do campo. No entanto, o ministro da área, Miguel Rossetto, defendeu que não é preciso urgência para modificar as regras de aposentadoria.

"Temos de separar um problema conjuntural, causado pelo ambiente recessivo e aumento do desemprego, de um debate de médio e longo prazos", afirmou Rossetto ao Estado. "O mais importante é assegurar: não haverá surpresas. O tema vai ser debatido amplamente. Estamos falando da expectativa de milhões de brasileiros."

As resistências do ministro, um dos fundadores do PT, à "urgência" da reforma podem retardar ainda mais o envio da proposta ao Congresso, onde haverá grande debate. Mas, segundo interlocutores da presidente Dilma Rousseff, é uma decisão de governo. Ela ignorou até a recomendação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu padrinho político, de que não era recomendável, no momento, tocar nesse vespeiro.

Na proposta formulada pela equipe do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, haveria um período de transição, estimado em 30 anos, em que as regras seriam modificadas gradativa-mente para se adotar no Brasil a fixação de uma idade mínima de aposentadoria para todos os trabalhadores, sem distinção. O Brasil é um dos poucos países que não têm essa exigência. Na iniciativa privada, não há exigência de idade para se aposentar pelo INSS (apenas de tempo de contribuição). No funcionalismo público, a idade mínima é de 55 anos para mulheres e 65 anos para homens.

A transição pode ser feita com gradualismo da regra atualmente em vigor, 85/95 pontos (correspondentes à soma da idade e do tempo de contribuição), até chegar a 105 pontos.

Soluções. Ontem, em sessão do Congresso, a presidente disse que o governo está aberto para ouvir as sugestões da proposta de reforma da Previdência, que deve enviar ainda no primeiro semestre. "Devemos lembrar que, em um momento de crise, surge a possibilidade de construir soluções duradouras. A reforma da Previdência não é medida em benefício do atual governo, seu impacto é uma questão do Estado brasileiro, de médio e longo prazo."

A Previdência Social respondeu pela maior parte do déficit recorde do ano passado. O pagamento de benefícios superou a arrecadação em R$ 89,2 bilhões, quase 40% superior ao rombo de 2014, considerando a inflação.

O Ministério do Trabalho, porém, diz que não há "descontrole das despesas", mas que estuda formas de aumentar a receita, como o fim da isenção do pagamento da contribuição previdenciária para os exportadores. "Ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo em que fizemos um amplo e correto movimento de ampliação da cobertura da Previdência, em vários momentos caminhamos no sentido oposto em relação à arrecadação. Temos de avaliar esses movimentos de renúncia que ocorreram nos últimos anos", disse Rossetto.

O consultor de orçamento da Câmara dos Deputados e ex-secretário da Previdência Social, Leonardo Rolim, concorda que é preciso acabar com os "ralos" que diminuem as receitas da Previdência. No entanto, segundo ele, se o governo decidir acabar com o benefício para o agronegócio, precisará pôr fim também à isenção que a indústria usufrui. "O governo vai tirar a isenção da indústria, dos queridinhos? O Brasil adora ter dois pesos e duas medidas. Ou tira de todo mundo ou deixa para todo mundo."

Futuro
"A reforma da Previdência não é medida em benefício do atual governo, seu impacto é uma questão do Estado brasileiro, de médio e longo prazo." Dilma Rousseff - PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROPOSTAS
Idade mínima
Todos os trabalhadores devem cumprir uma idade mínima para a aposentadoria.

Homens e mulheres
Não haverá diferenças nas regras entre homens e mulheres e nem entre funcionalismo público e setor privado e trabalhadores do campo e da cidade.

Transição
No período de transição, haverá um aumento gradativo das exigências até se chegar à convergência. Trabalhadores da ativa serão afetados, principalmente os mais jovens.

Aposentados
Não haverá mudança nos benefícios dos que já estão aposentados.

Mudanças podem conter gastos, dizem especialistas
As regras da Previdência precisam ser alteradas, mas as medidas em estudo pelo governo não serão suficientes para sanar o rombo atual, embora possam ajudar a frear o crescimento dos gastos, avaliam economistas.
Para Paulo Tafner, economista e pesquisador do Ipea, as medidas em estudo pelo menos farão com que a "trajetória do crescimento do gasto diminua". "Estamos muito atrasados, pois a Previdência no Brasil está desajustada há 20 anos. Se nada for feito, o gasto previdenciário vai atingir 20% do PIB entre 2040 e 2050."

Raul Velloso, economista e especialista em contas públicas, tem dado semelhante. Segundo ele, os gastos até 2040 vão representar 24% do PIB, o dobro da fatia verificada em 2012. Na sua opinião, "não tem mais sentido a distinção entre homens e mulheres para a idade de aposentadoria", pois as mulheres vivem mais. "Deveria ser 65 anos para os dois sexos." Tafner também defende uma idade mínima, como ocorre nos países desenvolvidos. "Não faz sentido uma pessoa no Brasil se aposentar aos 50 anos e viver mais 24 anos. Quem paga isso são as gerações futuras", diz.

A advogada previdenciária Marta Gueller, sócia do escritório Gueller, Vidutto e Portanova, pondera que, apesar de a mulher viver mais, lida com condições sociais desiguais. "E possível igualar a idade, desde que haja também uma política igualitária no mercado de trabalho." Quanto à unificação das regras da Previdência rural com urbana, ela afirma que a medida seria assimétrica. "A contribuição do segurado rural não é do mesmo valor, mas também os benefícios são menores. Ele vive menos e tem menos oportunidades: não pode pagar o pato por um caixa que já não está saudável desde a década de 80."

A Força Sindical não aceita que qualquerpassopara uma reforma seja dado sem a participação de representantes dos trabalhadores. A Força argumenta que o Fórum Nacional da Previdência foi instituído, pelo próprio governo, com esse objetivo. A CUT informou que só vai discutir o tema no fórum.

(Murilo Rodrigues Alves e Adriana Fernandes, com Anna Carolina Papp e Cleide Silva - O Estado de S.Paulo)

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