28/03/2016

Desemprego acelera e encosta em 10%

O desemprego no País pode chegar a dois dígitos já no próximo mês, mantido o ritmo de deterioração do mercado de trabalho apurado na passagem de ano

O número de desempregados saltou 42,3% no trimestre encerrado em janeiro, ante igual período de 2015, ficando próximo da cifra de 10 milhões de pessoas. A taxa de desemprego atingiu 9,5%, o pior resultado nos quatro anos da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). O levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inclui todos os Estados brasileiros.

De dezembro para janeiro o desemprego avançou 0,5 ponto porcentual, de 9,0% para 9,5%. Um ano antes, no mesmo trimestre, era de 6,8%. "É muito provável que a gente chegue a algo muito próximo de 10% de desemprego já no próximo mês.", diz José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Investimentos.
Os dados divulgados ontem reforçam que a deterioração do mercado de trabalho é significativa e deve se intensificar, com aumento das demissões e maior perda de renda.

Sem perspectiva de melhora na atividade econômica - o mercado projeta queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016 -, especialistas já estimam que a desocupação avance para uma taxa próxima de 13% da força de trabalho ainda este ano. E alertam que a diminuição da massa de renda, de R$ 5,5 bilhões em um ano, deve pesar no aprofundamento da recessão. Isso porque o consumo das famílias responde por cerca de 70% do PIB.

No trimestre até janeiro a renda média real do trabalhador encolheu 2,4% em relação ao mesmo período de 2015, para R$ 1.939. Isso decorre da inflação elevada e do menor poder de barganha do trabalhador na negociação salarial.
"O mercado não está favorável. Há um nível de dispensas expressivo, com setores importantes para o emprego formal como a indústria e serviços financeiros em baixa. Você está tendo queda do rendimento real: quem fica no mercado está ganhando menos", afirma o coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, Cimar Azeredo.

Uma preocupação é que os cortes de vagas se aprofundaram em atividades com maior índice de formalização, como indústria e serviços do setor financeiro. Não por acaso o recuo do emprego com carteira assinada também foi inédito: 3,6% no trimestre até janeiro, frente ao mesmo período de 2015. Na prática um contingente de 1,318 milhão de pessoas deixou de ter carteira em um ano, recorde na série iniciada no primeiro trimestre de 2012. Ao mesmo tempo, o emprego sem carteira também perdeu força.

"A queda no emprego é generalizada. O natural é: caiu o emprego sem carteira porque subiu o com carteira assinada. Não é o que está acontecendo", diz Azeredo. A resposta a esse quadro foi uma alta de 6,1% do pessoal trabalhando por conta própria no trimestre encerrado em janeiro de 2016.

Outro movimento que indica a perda de qualidade do emprego é a retomada dos serviços domésticos, com alta de 5,2%. Nos últimos anos a população de baixa renda vinha conquistando vagas mais qualificadas e estáveis, o que se perdeu com a recessão. "Um cenário econômico ruim traz algumas mazelas. Essa é uma delas", disse Azeredo.

Governo. Ao término de uma semana de más notícias para o mercado de trabalho, com forte aumento da taxa de desemprego e recorde de demissões em janeiro e fevereiro, o ministro do Trabalho, Emprego e Previdência, Miguel Rossetto, afirmou que o quadro preocupa o governo, mas demonstrou confiança numa melhora do cenário ao longo do ano. Segundo ele, medidas do governo para ampliar investimentos, sobretudo na construção civil, deverão surtir efeito ainda em 2016.

"Os dados não são bons. Eles dão sequência à realidade de 2015, que foi um ano muito difícil. Por isso, estamos trabalhando muito para que possamos, ainda em 2016, reverter essa curva e retomarmos o crescimento econômico e a geração de trabalho e emprego", disse. /Colaboraram Mário Braga e VINÍCIUS NEDER

SEM EMPREGO, SOLUÇÃO É CORTAR GASTOS

Ajustes feitos por desempregados incluem corte com lazer, TV a cabo e refeição fora de casa.A dificuldade da equipe econômica em fazer o ajuste fiscal não se estende para o brasileiro. Com a piora do mercado de trabalho neste início de ano, a única opção dos que perderam o emprego tem sido promover um coite de gastos no orçamento doméstico para atravessar o momento turbulento.

"Fui demitida há dois meses. Por um ano e meio trabalhei numa empresa do setor do comércio", afirma Patrícia Araújo, de 24 anos. "Por enquanto, ainda estou bem financeiramente, mas tento usar menos o cartão de crédito. Também deixei de ir ao cinema e fazer outras atividades de lazer", afirma. No mês que vem, ela deve começar a procurar um novo emprego. Por ora, o objetivo é seguir no setor do comércio. "O comércio é algo que puxa a gente. Você tenta sair, mas ele te suga", afirma.

Na lista de Eduarda Campos, de 25 anos, um dos primeiros cortes incluiu o pacote de televisão a cabo. Ela foi demitida no fim de fevereiro. Do comércio, ela pretende migrar para o setor de estética.
"Por enquanto estou aproveitando (o dinheiro recebido) para pagar umas contas atrasadas, mas depois quero buscar uma coisa nova. Estou pesquisando cursos na área de estética", afirma Eduarda.

Para ajudar nessa fase de transição entre diferentes áreas, ela pretende usar o dinheiro do seguro-desemprego.
No dia em que Andréa Chagas, de 34 anos, foi demitida depois de oito anos trabalhando em uma loja de móveis, outras 11 pessoas tiveram o mesmo destino. Sem o salário, a solução também tem sido cortar gastos, sobretudo os que estão relacionados ao lazer. "Agora, como tenho mais tempo, estou pesquisando preços dos produtos para saber qual está mais em conta", afirma Andréa. "Alimentação fora de casa já estou cortando. Vestuário então nem se fala. Vou ficar um ano sem comprar uma peça de roupa."

Nesta semana, ela deve começar a busca por uma recolocação. "Por enquanto, conto com os amigos. Eles me dão indicações. Eu ainda não senti o mercado, mas estou vendo que está complicado", afirma Andréa Bicos.

Com o mercado de trabalho retraído, uma das soluções encontradas tem sido partir para a informalidade.Débora Marques, de 40 anos, foi demitida em 22 de fevereiro e há 20 dias começou a trabalhar na loja de um parente. "Eu gerencio a parte de atendimento. E quase o mesmo trabalho que eu fazia na minha antiga empresa", diz.

Thiago da Silva, de 20 anos, passou a fazer bico como ajudante de mecânico após ser demitido de uma loja de tubos de aços.

Ele ficou empregado por um ano e oito meses. Com o trabalho informal, segue ajudando os pais. "A casa é grande. E cada um faz a sua parte no orçamento", afirma. 

(MARIANA DURÃO e LUIZ GUILHERME GERBELLI - O Estado de S.Paulo)

Para melhorar a sua experiência utilizamos cookies essenciais e de acordo com a nossa Política de Privacidade, ao continuar navegando, você declara que concorda com estas condições.