17/08/2022

Cinco motivos para acelerar a constituição da sua poupança privada de longo prazo

A equação é essa: viveremos mais, gastaremos mais com saúde, teremos previdência pública menos generosa e está mais difícil prever nossa renda ao longo da vida.

Algumas tendências seculares de saúde pública e economia, combinadas, sugerem ser cada vez mais prudente a constituição precaucional de poupança de longo prazo desde cedo. Trataremos aqui de cinco dessas variáveis que, por si só, justificariam esse comportamento prudente.

1 – Aumento da longevidade: não é de hoje que as expectativas de vida vêm aumentando, com avanços da medicina, seja do ponto de vista preventivo, com frequência e precisão cada vez maiores dos exames, seja do ponto de vista reativo, com medicamentos, tratamentos e técnicas cirúrgicas mais e mais efetivos. Não menos importantes são os hábitos cada vez mais saudáveis de alimentação e exercícios físicos que uma crescente parcela da população tem incorporado em seu cotidiano.

E, por fim, alguns eventos de mortes precoce na infância e na juventude estão sendo atenuados no tempo, tais como mortalidade infantil (queda de 203 para 14 mortes por mil nascidos em 60 anos) e mortes por acidentes de automóveis (que, após atingirem o pico de 46 mil, caíram para 31 mil nos últimos anos), entre outros.

Todos esses fatores combinados têm levado a expectativa de vida a aumentar de forma importante nas últimas décadas no Brasil, crescendo de 45 para quase 77 anos em sete décadas (IBGE, 2019). A expectativa de vida ao nascer em 2019 (pré-pandemia) era de 73 anos para os homens e de 80 anos para as mulheres. Este rápido incremento na longevidade coloca novos limites à previdência pública para boa parte da população e amplia a necessidade de as pessoas se precaverem e constituírem poupança privada complementar para garantir um bem-estar financeiro na fase mais avançada da vida.

2 – Tendência a maiores gastos com saúde: há um peso crescente dos gastos com saúde da população, o que é ótimo do ponto de vista da longevidade, mas representa um desafio adicional orçamentário para as famílias ao longo do tempo. Em particular, os gastos aceleram conforme a idade avança, com maior necessidade de tratamentos, medicações e eventos cirúrgicos mais recorrentes para os idosos.

Essa é uma realidade vista em todos os países e, no Brasil, não é diferente. Sabedores dessa dinâmica de gastos crescentes com saúde ao longo do tempo e desejosos do maior prolongamento possível da vida saudável, vemos que é necessária a constituição de reserva para fazer frente a esses anseios e necessidades na idade mais avançada, em que as fontes e alternativas para auferir renda, para maior parte da população, tornam-se escassas.

3 – Previdência Pública menos generosa: a rápida mudança demográfica em curso no Brasil requer ajustes sucessivos na direção de uma previdência pública mais restrita para nossos aposentados, sob pena de um descontrole fiscal pronunciado adiante.

Essa realidade se deve não apenas ao aumento da expectativa de vida das pessoas (item 1), que prolonga o período de benefício de aposentadoria, mas também à redução do número de novos entrantes no mercado de trabalho, com uma taxa de natalidade cadente no tempo, e do tempo contributivo, fruto do aumento da idade média de ingresso no mercado, em razão da necessidade de mais anos de estudo para uma parte do trabalho mais qualificado.

A resultante dessa dinâmica demográfica em um regime de previdência pública de repartição, com restrições fiscais para ampliação de déficit e dívida pública já colocadas, é a necessidade de ajustar os benefícios médios esperados ao longo do tempo. Com isso, para uma dada idade esperada de aposentadoria e de expectativa de vida, é muito provável que o seu benefício anual projetado caia ao longo do tempo, com a necessidade de adequação sucessiva das regras da previdência pública à dinâmica demográfica do país.

4 – Mercado de trabalho mais volátil e incerto: as condições do mercado de trabalho têm se alterado de forma cada vez mais intensa e dinâmica. A demanda por maior formação para ingresso no mercado de trabalho qualificado é uma realidade. Em paralelo a isso, as rápidas transformações tecnológicas tornam os trabalhos mais mecânicos e repetitivos suscetíveis a substituição em diversas áreas, colocando desafios e incertezas maiores sobre a dinâmica de carreira e capacidade de auferir renda na fase laboral de cada indivíduo.

A busca incessante por automação e ganho de produtividade, com empresas cada vez mais digitalizadas em diversos setores, da indústria aos serviços, passando por atividades agrícolas, comércio e construção civil, é fonte adicional de pressão e incerteza no mercado de trabalho.

O peso crescente dado à capacidade de “aprender a aprender” e a valorização dos atributos de “soft skills” caracterizam bem esse momento de transformação e de dinâmica não mais linear das carreiras, empregos e rendas. Nesse ambiente, parece bastante apropriado reconhecer desde cedo a menor previsibilidade sobre o futuro e ser prudente na constituição de reservas financeiras recorrentes e preventivas.

5 – Ciclos de negócios mais curtos: como se fosse quase uma outra face do item 4, os ciclos de negócios empresariais parecem cada vez mais curtos, com desafios concorrenciais que se modificam em velocidade e intensidade maiores do que no passado. Com isso, empresas têm que se reinventar cada vez mais, com barreiras à entrada reduzidas pela facilidade que algumas alternativas tecnológicas proporcionam para criação e acesso de novos players aos mercados.

Além disso, expandiram-se nos últimos anos as fontes de financiamento e a disponibilidade de recursos no mercado de capitais e bancário às empresas dos mais diversos portes, com atuação crescente de novos agentes e estruturas para financiamento de diferentes nichos.

Esse ambiente concorrencial é, do ponto de vista agregado, extremamente favorável à dinâmica econômica, aos ganhos de produtividade e aos consumidores, mas traz consigo uma componente de cautela individual das empresas com a gestão dos seus custos fixos, inclusive quadros de funcionários. Essa postura racional das empresas reduz a probabilidade de projetarmos planos de carreiras lineares e longevos como víamos tempos atrás, com tendência natural de que as pessoas tenham maior propensão a poupar em fases boas da carreira, dada a menor visibilidade de carreiras para horizontes mais longos.

A equação é essa: viveremos mais, gastaremos mais com saúde, teremos previdência pública menos generosa e está mais difícil prever nossa renda ao longo da vida. Todos os vetores recomendam a constituição de poupança privada complementar de longo prazo. Quanto maior, mais cedo e regular for constituída essa poupança, maior a probabilidade de uma vida financeira saudável, por toda a vida. Que assim seja, uma vida longa e financeiramente saudável a todos.   

(Estevão Scripilliti – Valor)

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