25/01/2016

BC pode colher resultados adversos de elevação

O Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a Selic em 0,50 ponto percentual, para 14,75% ao ano

O Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a Selic em 0,50 ponto percentual, para 14,75% ao ano, na próxima semana e já deu todas as indicações disso. Mas a eficácia desse aumento será "limitadíssima, na melhor das hipóteses, para o combate da inflação", avalia o economista Luis Eduardo Assis, ex-diretor de política monetária do Banco Central (BC). A consequência certa de mais um aumento do juro é um impacto sobre as contas públicas.

Assis, atualmente membro do conselho diretor do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, observa que se o BC aumenta o juro, aumentam as despesas, a relação Dívida/PIB que já caminha para 70%. "Juro maior quer dizer que o governo deverá fazer um superávit primário ainda maior em um cenário em que sequer consegue ter certeza se continuará sendo governo".

Valor: O que o senhor espera desta primeira reunião do Copom em 2016? Que poder a política monetária ainda tem?
Luis Eduardo Assis: Espero aumento do juro em 0,50 ponto percentual. O Banco Central (BC) tem o hábito de não surpreender o mercado e já deu todas as indicações e deve subir os juros porque a expectativa de inflação supera o teto da meta para 2016. A eficácia dessa elevação, no entanto, eu acho que é limitadíssima, na melhor das hipóteses, para o combate da inflação. Já temos uma recessão encomendada para 2016, será o segundo ano de recessão e isso não acontece desde o início dos anos 30. O Banco Central vai fazer aquilo que ele acredita que deve fazer, mas o impacto para a inflação deve ser limitadíssimo. Haverá, sim, um impacto sobre as contas públicas. Se aumenta juro, aumentam as despesas. Isso quer dizer que o governo deverá fazer um superávit ainda maior em um cenário em que o governo sequer consegue ter certeza se continuará sendo governo. A perspectiva de ocorrer um ajuste fiscal em 2016 é praticamente zero. Nelson Barbosa continuará administrando a situação como Joaquim Levy fez, mas o Brasil terá outro déficit primário em 2016 com carga de juros ainda mais elevada. O resultado é uma deterioração ainda mais rápida da relação Dívida/PIB que tem sido observada com muito cuidado pelas agências internacionais de classificação de risco de crédito. E nova deterioração significa muito provavelmente novos rebaixamentos o que pode, junto com a crise política, levar a uma nova desvalorização do real e essa, sim, produzir mais impacto sobre a inflação.

Valor: De que forma se qualifica então a inflação que temos? Em dezembro, o BC já disse que iria subir o juro. Mas que inflação o BC tem de combater?
Assis: Em 2015 convivemos com uma combinação inusitada. Convivemos com uma tentativa de fazer um ajuste fiscal e, simultaneamente, com um ajuste de preços que é simplesmente impactante. Tivemos dois insumos que subiram cerca de 50% no ano passado: energia elétrica que é insumo para tudo, e dólar, insumo para quase tudo. Isso nunca aconteceu no Brasil. Nos anos 1980, 1990, o máximo que tínhamos era uma desvalorização cambial de 30% que acabava sendo comida pela inflação que se acelerava. Agora tivemos ajustes simultâneos. Não tem como a inflação não acelerar. E por que os bancos centrais sobem juro quando tem inflação? Porque aumento de juro pode contrair a demanda e juro também pode valorizar a moeda local. Mas isso acontece em circunstâncias normais de temperatura e pressão. Prever hoje uma valorização do real é uma sandice. O real não tem condição de se valorizar e se o BC forçar uma valorização para conter a inflação estará cometendo um erro crasso. Não é por aí. Não é por arbitragens de taxas de juros que vamos controlar a inflação. Sobra o lado da demanda, mas a demanda está extremamente deteriorada. Ela já despencou e vai continuar despencando. O cenário para 2016 é de recessão, mas sobre resultados muito ruins. O que temos garantido é um aumento da relação Dívida/PIB. O Banco Central pode argumentar, dizendo que precisa fazer alguma coisa, uma vez que a política fiscal é um fiasco porque não conseguimos equacionar nossas contas públicas. E, portanto, precisamos usar a política monetária para fazer o que a política fiscal não está conseguindo fazer.

Valor: Mas se insistir com um aumento de juro para conter as expectativas, o BC não vai piorar as expectativas e correr o risco de perder reputação?
Assis: Acho que perder a reputação, não necessariamente. Mas ele pode colher o resultado adverso, mais difícil. A única coisa certa com os juros mais altos é que a despesa financeira se eleva. Como o PIB está caindo, a relação dívida/PIB vai dar um salto em 2016. Veja que as agências de rating, desde que houve aquela lambança com o conceito de dívida líquida, passaram a dar foco muito maior para a dívida bruta, que caminha para 70%.

Valor: O que o BC poderia fazer, dado esse quadro, de política fiscal e política que não se resolvem?
Assis: Eu acho que existe um papel que é conduzir uma discussão a respeito dos juros altos. Esse é um papel que pode ser exercido pelo BC, que tem enorme competência técnica. O que nós, sociedade, temos que discutir é por que o Brasil precisa ter juros tão altos. O BC deveria conduzir esse debate. Por que a política monetária é relativamente ineficaz, por que temos que ter juros reais mais altos do que países que estão ou passaram por situações mais difíceis? Nós já sabemos uma resposta, que o próprio BC didaticamente ilustrou quando reduziu os juros de repente. Aparentemente, na opinião da presidente, os juros eram altos por falta de vontade política. Pois bem, os juros foram rebaixados na marra e não deu certo. Essa lição foi aprendida. E por todos. No documento que o PT lançou recentemente de crítica à política econômica, ao ministro [Joaquim] Levy, elaborado por vários economistas petistas, eles dizem exatamente isso: que os juros não podem ser reduzidos por decreto. Essa lição nós aprendemos a duras penas. Então, seria muito importante que, nesse período em que estamos discutindo tanto política fiscal, que o BC lidere a discussão sobre por que os juros são tão altos.

Valor: Esse debate aponta para a dominância fiscal?
Assis: Tudo o que eu estou falando é dominância fiscal. Acredito que existe hoje, claramente, todas as condições de dominância fiscal. Mas tem um dos itens que teremos que discutir é que, mais depois de 20 anos de estabilização da inflação, temos uma economia que é, em grande parte, indexada. A gente vai ter que discutir indexação. Porque é a indexação que faz com que choques de preço como os que aconteceram no ano passado, repercutam por tanto tempo sobre a inflação. O salário mínimo está crescendo, as aposentadorias ainda mais. Todos os salários, na prática, são indexados, os contratos também. Existem ainda as LFTs, criadas num regime de inflação extremamente elevada. Diminuiu o estoque, mas elas ainda existem. Elas deveriam ser vendidas numa feira de antiguidade, para colecionadores, economistas excêntricos que comprem LFTs em uma feira em São Tomé das Letras. A gente fez muita coisa em 94, mas a indexação permaneceu quase que intacta. Esse é um debate do qual a gente não pode ser furtar, da mesma maneira que o país tem discutido reforma fiscal, reforma da Previdência. E reforma da Previdência foi um assunto no qual o país avançou muito em 2015. Para quem acha que 2015 foi perdido, nesse aspecto não foi. Existe a construção lenta de um consenso, a tal ponto que o próprio ministro, que é mais ligado ao PT, propõe. Porque não é uma questão ideológica, é uma questão aritmética. É preciso também avançar nas questões sobre os juros.

Valor: O Tesouro está ampliando a oferta de LFT. Na gestão de curto prazo, há alternativa?
Assis: Uma alternativa simples, que possa ser implementada rapidamente, não existe. Porque o problema é muito complexo. E para cada problema complexo, há uma solução simples, fácil de ser implementada e é errada. E é isso que nós tivemos quando o Banco Central decidiu reduzir os juros na marra.

Valor: Com que cenário o país deve conviver?
Assis: Acho que veremos uma queda da inflação e aumento de juros. Uma rápida recuperação do setor externo e, mais para frente, um pequeno crescimento da economia, a partir de 2017, fundamentado na lenta recuperação da capacidade de endividamento. Existem problemas que o tempo resolve. O endividamento das famílias será digerido com o passar do tempo. A pessoa fica inadimplente, ela fica negativada, depois entra numa negociação deixa de ficar negativada e, num dia das mães de 2017, aquela pessoa vai comprar um presente e vai financiar novamente. Em algum momento há uma digestão de endividamento de pessoas físicas e jurídicas. E - esse é o maior risco que eu vejo - vamos ter um crescimento medíocre nos próximos anos, longe de ser uma recuperação vigorosa. Mas o Brasil não vai entrar em um parafuso e ter recessão em cima de recessão. 

(Angela Bittencourt e Lucinda Pinto - Valor Online)
 

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