20/01/2017

A Previdência não cabe na nova realidade demográfica

Os principais objetivos de um sistema previdenciário são suavizar o consumo

Os principais objetivos de um sistema previdenciário são suavizar o consumo, isto é, evitar uma queda abrupta da renda na aposentadoria, e combater a pobreza. O sistema brasileiro atinge com folga o objetivo de evitar a queda acentuada da renda. No jargão, a taxa de reposição é alta no Brasil. Em média, o brasileiro se aposenta com 80% do último salário, fração maior do que na maioria dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), um clube de economias ricas.

Os esquemas de aposentadoria desatrelados à contribuição possivelmente ajudam a combater a pobreza (é preciso avaliar melhor seus efeitos). A Previdência Social Rural –que atende trabalhadores rurais com pouca capacidade de contribuir– e o Benefício de Prestação Continuada –que atende idosos e deficientes pobres– custam 2,1% do PIB. O Bolsa Família custa 0,6%. Tendo ou não contribuído, 80% dos brasileiros com mais de 64 anos recebem alguma forma de aposentadoria ou pensão, uma das frações mais altas da América Latina.

O sistema é generoso. Gastamos 10% do PIB com Previdência (setores privado e público), a média da OCDE. Mas a fração de idosos no Brasil ainda é menor. Além de a taxa de reposição ser alta, a idade média de aposentadoria é baixa em relação aos países da OCDE. Mas a média disfarça uma diferença perversa: os mais pobres tendem a se aposentar mais tarde. As pessoas de renda mais alta participam mais do mercado formal de trabalho e, por isso, se aposentam mais por tempo de contribuição.

O brasileiro não se aposenta precocemente porque vive menos ou começa a trabalhar antes. Se chegar aos 65, a expectativa de vida é apenas sete meses menor do que a média da OCDE. O brasileiro começa a trabalhar aos 23 anos em média, assim como nos países da OCDE. A generosidade tem preço. Em 2015, a previdência do setor privado teve um deficit de R$ 86 bilhões, quase 1,5% do PIB. Os aposentados rurais tiveram um deficit de R$ 91 bilhões. Entre os urbanos, houve um superavit de R$ 5 bilhões.

O setor urbano tem superavit porque há muitos trabalhando e poucos aposentados (em termos relativos). Mas o "bônus demográfico", uma geração particularmente numerosa que está no mercado de trabalho, está perto do fim. A geração seguinte não é tão grande, e estamos vivendo cada vez mais. Portanto, a conta do setor urbano rapidamente não fechará. De fato, mesmo com a demografia ainda favorável, o superavit da previdência urbana cai desde 2012 como fração do PIB. A partir de agora, a tendência é piorar se nada for feito. A aritmética da demografia é desagradável, parafraseando Sargent e Wallace.

O Brasil tem renda média, mas um sistema de aposentadoria de país rico. E um enorme programa de transferência de renda embutido no sistema previdenciário. Quando tivermos a fração de aposentados dos países maduros, a conta não fechará. Na verdade, não fechará bem antes. E isso porque não se tratou da aposentadoria do setor público, em que o deficit por aposentado é maior, mas o rombo total é menor. A Previdência não cabe na nova realidade demográfica: vive-se mais e haverá cada vez idosos. É preciso reformar a Previdência para que ela siga cumprindo os papéis de suavização da renda e de redução da pobreza. Por isso a necessidade reformas, com fixar idade mínima onde não há e barrar aposentadorias antecipadas, entre outras.

(João Manoel Pinho de Mello - Folhapress)

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