27/06/2016

A crise é a mesma, o desemprego, não

A cidade do desemprego X a capital com a menor taxa de desocupação do país

Dois mil e seiscentos quilômetros separam Florianópolis de Salvador. Mas a distância parece maior. De um lado, no Nordeste, está a cidade do desemprego. Do outro, no Sul, está a capital com a menor taxa de desocupação do país. "São realidades completamente distintas, com histórias de desenvolvimento econômico muito diferentes e que influenciam o comportamento dessas regiões em um momento de crise", diz Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Com uma taxa de desemprego de 15,5% no primeiro trimestre do ano, a Bahia tem uma massa de 1,1 milhão de pessoas à procura de trabalho, segundo dados da Pnad Contínua. Em Santa Catarina, com índice de 6%, 219 mil estão atrás de um emprego. Embora uma taxa seja mais que o dobro da outra, ambas cresceram em ritmo acelerado ao longo do último ano por causa da deterioração do quadro econômico do país. Nos dois casos, a alta foi superior a 60%.

Ainda assim, a distância entre esses estados no quesito emprego se manteve. Em Salvador, trabalhadores fazem fila, de madrugada, para pesquisar vagas ou pedir o seguro-desemprego. Enquanto em Blumenau (SC), a três horas de carro de Florianópolis, alguns setores têm dificuldade em encontrar candidatos. A cidade foi a que mais criou vagas no primeiro semestre do ano no estado.

A formação econômica de Santa Catarina ajuda a entender o que faz com que a região tenha uma espécie de blindagem em relação à crise. "A economia catarinense está desconcentrada, espalhada pelo território e distribuída em vários segmentos", diz Glauco José Côrte, presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).

O economista Alcides Goularti Filho, professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e pesquisador da economia regional, reforça essa ideia. "Santa Catarina não tem uma cidade que seja a mais importante do Estado, também não tem um setor industrial que se destaque mais do que outros. Sua força está na diversidade."

A indústria têxtil, por exemplo, concentrou-se em Blumenau e Brusque; a extração de carvão, no sul do Estado; a indústria madeireira, no Vale do Itajaí, enquanto no oeste a força é da agricultura.

Na capital baiana, que, isolada, tem taxa de 17,4%, o aumento do desemprego é consequência do quadro de forte retração da atividade econômica no País, disse Sergio Sakurai, professor da Faculdade de Economia da USP/Ribeirão Preto. Ele acredita que o fim de obras públicas, como a construção da Fonte Nova ou avenidas de Salvador, já concluídas, e a obra do metrô, ainda em andamento, podem explicar em parte a situação. "Mas, se fosse só por causa delas, esse efeito já deveria ter se diluído e não deveríamos estar observando crescimento do desemprego nos dias atuais." Para Sakurai, "a região parece estar em sintonia com o enfraquecimento generalizado da economia".

O diretor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Balanco, concorda. Para ele, há na região uma forte aceleração no desemprego após um ciclo de expansão da atividade econômica. Balanco ressalta que a região historicamente tem também alta informalidade, o que mascara o mercado, além de uma baixa qualificação profissional, "uma herança perversa da escravidão". Mas alertou que a Bahia ainda sofre de "frágil acumulação de capital". Para ele, não há como acomodar todo o contingente trabalhador em Salvador, cidade marcada pelo serviço, e não pela industrialização.

Madrugada de angústias na capital do desemprego

Enfrentar a angústia do desemprego em uma fila de desocupados de madrugada diante do posto de serviços Comércio no Centro de Salvador, a poucas quadras do famoso Elevador Lacerda, o ícone turístico baiano, está virando rotina. Na região metropolitana de Salvador, o IBGE calcula em 18,4% a taxa regional de desocupação, a mais alta das seis áreas pesquisadas no primeiro trimestre do ano. Isolada, Salvador é a capital do desemprego, com taxa de 17,4% de desocupação. Estudos mostram ainda que a situação só piora desde fevereiro num mercado regional de trabalho que já teve dias de ouro ao registrar, em 2012, taxa de 5,7% (dezembro), colada na média nacional (4,6%), um paraíso que beirou o pleno emprego. Mas a moleza acabou.

Na última terça-feira, com o cartão postal da cidade iluminado pelas cores vermelho e verde logo ali adiante, o pintor Silvio Cesar Silva Carvalho, de 42 anos, e o irmão, o segurança ou cobrador de ônibus (se o empregador preferir), Luis Cláudio, de 40 anos, ambos desempregados, moradores da Lapinha, chegaram ao posto do Comércio para renovar a carteira de trabalho e pesquisar vagas - eram 22h. Dormindo na calçada sobre papelão, viram chegar, às 2h45, o terceiro da fila, o operador de tráfego de barcas Gilmar da Silva, de 46 anos, com os documentos para conseguir o seguro-desemprego.

Dispensado da empresa que faz as travessias do continente para a cantada Ilha de Itaparica, Silva teve a dispensa homologada na semana passada depois de 2 anos e 9 meses de serviço. "Mais ou menos uns 80 foram para a rua", contou. Com 53 anos, sem emprego fixo desde os 50, Carlos da Conceição Marques era o seguinte na fila.

Aguardava para tentar "fazer a pesquisa". Depois dele estava Alessandro dos Santos, de 27 anos, ajudante de caminhão - que nem com três anos de dedicação à empresa de um parente escapou do corte. "A desculpa é sempre a crise", atalhou Aline Mendonça Figueiredo, de 32 anos, engrossando a fila ainda no escuro, acompanhada do marido. Vendedora de equipamentos industriais em uma cadeia de três lojas, Aline chegou ao local por volta das 4h30 para pedir o seguro-desemprego.

Eram 5h, ainda noite na rua - e os primeiros ônibus começavam a descarregar passageiros na Avenida da França -, quando a luz da lateral do prédio do Instituto do Cacau, que abriga uma central de serviços tipo Poupatempo, foi apagada. Na calçada, crescia a fila dos sem-trabalho, de um lado, e dos que pretendiam fazer ou renovar o RG, do outro. Eles ainda aguardariam no breu da rua que as portas da repartição fossem abertas às 5h20. Lá dentro, no primeiro andar, enfileiraram-se de olho nos painéis de senhas torcendo para não serem vítimas dos temidos alertas dos funcionários, que frequentemente avisam aos presentes que "o sistema caiu", falha que prolonga a espera por uma vaga.

Socorro

No bairro Periperi, aglomerado de favelas à beira-mar na periferia, outro centro de atendimento tem sala para os primeiros socorros para desempregados. O sol baiano do meio-dia queimava a moleira na praia e nas calçadas quando o gerente do posto explicou que a média de pesquisas de empregos chega a 70 pessoas por dia. É comum também eles atenderem ainda 45 a 50 pessoas, com senhas distribuídas às 6h na fila, em busca de autorização para receber o seguro-desemprego. "Tá todo mundo desempregado", disse um homem de cerca de 50 anos, contando que foi demitido dias atrás e que aguardava no posto para pedir o dinheiro do seguro. "A firma mandou embora mais de 150."

O desemprego que engasga o homem que não quer nem ser identificado assusta também o pedreiro Guaraci Vidal, de 38 anos. Na manhã da terça-feira, ele encaminhava a papelada para receber o seguro-desemprego no posto de atendimento do Sine no Shopping Liberdade, no bairro de igual nome, zona popular de Salvador. Tendo entrado na estatística dos desocupados havia dez dias, contou que mora com a mãe, aposentada, uma irmã e um sobrinho, Natan, de 29 anos, que também procura trabalho. "A gente só ouve falar que é a crise", disse Vidal ao deixar a sala do segundo andar da galeria na Estrada da Liberdade, periferia de Salvador. O posto atende em média 45 pessoas por dia com hora marcada para consultas de emprego, emissão de carteiras e outros serviços públicos.

De acordo com o coordenador estadual da Pnad Contínua do IBGE, Mateus Bastos, o destaque no caso da Bahia no primeiro trimestre é que "o número de ocupados teve uma queda de 381 mil pessoas em relação ao mesmo trimestre de 2015 (menos 5,7% do total de ocupados)". Segundo o pesquisador, no mesmo período, o Estado de São Paulo perdeu 219 mil.

Bastos ressaltou que a queda se concentra na indústria (menos 215 mil) e na construção (menos 73 mil). Ele explicou que "a indústria da Bahia, em particular, é relativamente concentrada na região metropolitana de Salvador e que é possível que a diminuição de vagas tenha afetado pessoas que trabalham fora da capital, mas moram na cidade.

Habituado à tarefa de conferir informações de desemprego no setor privado, ele acrescentou que também no setor público há reflexos dos cortes. Bastos argumentou que nem o time do IBGE está imune e disse que vai perder quatro auxiliares que fazem as pesquisas de campo sobre desemprego. Os contratos do IBGE na Bahia não serão renovados.

Dieese mostra quadro ainda mais grave

Para a coordenadora da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Salvador (PED-RMS), Ana Margaret Simões, pesquisadora do Dieese, o quadro do desemprego na área da capital baiana, mostrado também nas pesquisas da Pnad Contínua, vem se agravando desde o fim de 2014, mas a situação tornou-se ainda mais dramática nos últimos três meses.

Em abril, a PED apontou uma taxa de desemprego de 23,4% da População Economicamente Ativa (PEA) na região, resultado que mostra um retrocesso de uma década no mercado - desde julho de 2007, a taxa não alcançava essa marca. Houve um crescimento de 2,1 pontos porcentuais em apenas um mês - março registrou 21,3%. De acordo com os dados do PED-RMS, abril registrou 439 mil desempregados, 44 mil a mais do que no mês anterior. Houve um corte de 18 mil vagas e um crescimento da PEA de 26 mil pessoas.

Os setores de comércio, reparação de veículos (com menos 10 mil postos) e da construção (com redução de 8 mil vagas) puxaram a oferta de empregos para baixo. O pico dos desocupados na RMS, segundo o estudo, que soma desemprego aberto, desemprego oculto por trabalho precário, mais o desemprego oculto por desalento, ocorreu em 2003 quando a medição bateu nos 30% da força de trabalho. A média atual de tempo de um desempregado procurando trabalho é de 50 semanas, "o que chamamos de desemprego de longa duração", explicou a pesquisadora. "Temos uma crise agravada por falta de investimentos, aumento dos juros e crise política", disse. 

(Agência Estado/Época)

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