Alta do dólar reforça urgência da aprovação da independência do BC
O Banco Central atua com vigor para controlar a escalada da moeda enquanto espera que o Congresso decida sobre autonomia.
O ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Franco é conhecido por sua capacidade de elaborar frases de efeito. Tamanha é sua desenvoltura nessa seara que ganhou o apelido de “poeta dos economistas”. Menos célebre é a lembrança de como, ao tentar segurar o dólar, intensificou a crise cambial que pegou o Brasil no contrapé em 1998 — e perdeu o cargo pouco tempo depois. É esse tipo de trajetória que o presidente atual da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, não pretende seguir, mesmo navegando por mares turbulentos e agora contaminados pelo surto global do coronavírus. Em vez de usar todos os recursos de que dispõe para conter a escalada do dólar, o BC tem agido cirurgicamente para garantir o fluxo cambial e reduzir a volatilidade da desvalorização do real. O dólar chegou, pela primeira vez, a ultrapassar o patamar de 4,60 reais, e a instituição — valendo-se de suas reservas — vem intervindo no câmbio como nunca antes. Além disso, na terça-feira 3, o BC sinalizou novos cortes na taxa básica de juros, logo após o anúncio do Federal Reserve (Fed), seu equivalente americano, de ceifar suas taxas de forma emergencial em 0,5 ponto porcentual.
A frenética movimentação do Banco Central em meio a uma tempestade que pode se tornar uma catástrofe o coloca, na prática, como um xerife da economia — e não apenas da moeda. Essa condição, inclusive, deverá vir a existir de fato se a legislação que concederá sua independência do governo for aprovada. Descansa na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um projeto de lei datado de 1989 que prevê diretrizes autônomas para a instituição. De acordo com o texto, o BC teria mandatos fixos para seus presidentes e diretores, além de estes serem passíveis de demissão ou sanções pelo não cumprimento das metas estabelecidas no início do ano, como as de inflação. Os mandatos também seriam desvinculados da Presidência da República, o que livraria por completo a instituição das diretrizes da política monetária. Hoje, o Banco Central já atua na prática com autonomia, mas sempre há a desconfiança por parte dos investidores de que venha a sofrer com ingerências do Palácio do Planalto — e de fato sofre. “O modelo de um BC autônomo é dominante entre as economias consolidadas, pois traz estabilidade para a política monetária do país”, diz Armínio Fraga, que presidiu o BC entre 1999 e 2003.
“O modelo de um BC autônomo é dominante entre as economias consolidadas, pois traz estabilidade para a política monetária do país.” Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
Os exemplos internacionais comprovam quanto o Brasil está atrasado. O Fed é uma instituição desvinculada da Casa Branca desde 1913, o primeiro ano da Presidência de Woodrow Wilson (1913-1921). Repetidas crises de falta de dinheiro no mercado levaram pânico a investidores e foram resolvidas após o governo dar autonomia à autoridade monetária. No Brasil, porém, os interesses políticos dificultam a aprovação da pauta. Maia, em conversas reservadas com Campos Neto, sempre demonstrou carinho pelo tema. Os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de membros de sua equipe contra o Congresso, entretanto, minaram a perspectiva de desengavetar o projeto. O deputado Celso Maldaner (MDB-SC), relator da proposta, confirma que o ambiente se deteriorou drasticamente. “Estava acertado para depois do Carnaval, mas isso caiu por terra”, lamenta.
O Banco Central brasileiro, ao agir com firmeza sobre as instabilidades, mostra que, na prática, já tem autonomia — neste momento, ressalte-se — para assegurar a saúde financeira do país. Mas, diante dos desafios que o coronavírus trouxe para a economia, um dos remédios para evitar a contaminação do mercado pelos efeitos internos e externos da doença é a garantia, por lei, de que a autoridade monetária está blindada contra agentes políticos em sua missão de manter o Brasil como um lugar seguro para os investimentos.
(Veja)