05/05/2020

Não é hora de relaxar

Vírus não conhecem fronteiras. Magnitude da pandemia impõe uma abordagem ampla e coordenada do problema
Na semana em que o Brasil atingiu a triste marca de 100 mil casos confirmados de covid-19, com mais de 7 mil mortos, o presidente Jair Bolsonaro resolveu condenar, mais uma vez, as medidas de distanciamento social determinadas por governadores e prefeitos, como o fechamento do comércio não essencial, escritórios, indústrias e escolas. Por meio de suas redes sociais, Bolsonaro afirmou que tais medidas foram “praticamente inúteis” para conter o avanço da doença no País, sem apresentar ao distinto público qualquer evidência científica que sustentasse sua perigosa asserção.

A declaração é coerente com o discurso que o presidente vem adotando desde o início da pandemia, no sentido de minimizar sua gravidade a fim de estimular a “volta à normalidade”. No cálculo mesquinho do sr. Bolsonaro, fundamental não é liderar os esforços para que a Nação atravesse a tormenta da forma menos dolorosa possível, mas sim conter os eventuais danos eleitorais que ele possa sofrer em decorrência do prolongamento da quarentena, ainda que isso signifique expor a risco a saúde de seus concidadãos. Afinal, como o próprio presidente já declarou, “vai morrer gente” de uma forma ou de outra.

A bem da verdade, não fossem aquelas medidas de segurança sanitária tomadas pelos entes federativos, o cenário da pandemia no País seguramente seria ainda mais lúgubre.

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência concorrente dos Estados e municípios para determinar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus, sem prejuízo das normas editadas pela União. Por unanimidade, a Corte reafirmou a autonomia de governadores e prefeitos para regulamentar a política de distanciamento social, incluindo o fechamento dos estabelecimentos comerciais, repartições públicas, escolas, etc.

Além de ter sido uma decisão rigorosamente alinhada ao que dispõe a Constituição, foi sensata, haja vista que são vereadores, prefeitos, deputados estaduais e governadores os que melhor conhecem as realidades locais. No entanto, vírus não conhecem fronteiras e a magnitude da pandemia de covid-19 impõe uma abordagem ampla e coordenada do problema.

De acordo com o Ministério da Saúde, a esmagadora maioria dos 5.570 municípios do País não tem um só caso confirmado de covid-19. A doença acomete os habitantes de cerca de 700 municípios, alguns com apenas poucos casos, outros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, com milhares. Este quadro tão fragmentado tem estimulado alguns prefeitos a relaxar as políticas de isolamento nos municípios menos afetados pela pandemia ou que ainda dispõem de uma capacidade razoável de atendimento médico no serviço público de saúde. Some-se a pressão que muitos prefeitos de municípios pequenos ou médios sofrem diretamente dos comerciantes locais para que a tal “normalidade” seja retomada. Ceder à tentação de relaxar políticas de isolamento em localidades pouco afetadas pela covid-19 poderá ser um erro com gravíssimas consequências.

A experiência mostra que cidades que flexibilizaram as normas de distanciamento social registraram um súbito aumento do número de casos de covid-19. Em Blumenau (SC), por exemplo, havia 71 casos confirmados da doença quando a prefeitura decidiu reabrir o comércio. Uma semana depois, o número de infectados no município subiu para 194, um salto de 170%. O aumento abrupto do número de casos de covid-19 em municípios com baixa incidência da doença não só pode levar ao colapso o sistema público de saúde local, como pode levar ao aumento de transferências de pacientes para grandes centros que já estão em crise. O resultado não há de ser outro: mais gente disputando escassos recursos técnicos e humanos na área de saúde, com consequente aumento do número de mortos.

Seja em municípios pequenos, médios ou grandes, pouco ou muito afetados pela pandemia, não é hora de relaxar a política de isolamento. Por ora, não há outra forma de salvar vidas a não ser estimular a permanência em casa de todos os que podem fazê-lo. Enquanto a voz da razão não for ouvida por todos os cidadãos, o que se ouvirá é pranto.  

(Agência Estado)

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